"Crepúsculo", obra de George Grosz, 1922 |
É
possível afirmar que o surgimento da sociologia é concomitante ao nascimento do
indivíduo da modernidade, que se caracteriza por uma transformação fundamental
na relação entre indivíduo e sociedade e por um maior espaço conferido àquele
nas relações sociais. Assim, muito embora a consolidação da sociologia como
disciplina autônoma tenha sido marcada por um esforço em desvendar as determinações
sociais na explicação da vida social, sempre houve um interesse, por parte de
seus melhores teóricos, pela análise das dimensões individuais (Martucelli,
2007b).
A
análise do indivíduo nunca esteve completamente ausente da sociologia clássica.
Mesmo Durkheim, que é considerado um autor holista, reconheceu que as
sociedades modernas outorgam um espaço mais amplo ao indivíduo, chegando a
afirmar que este havia se convertido na religião da modernidade. Em 1898,
Durkheim publicou um texto – “O individualismo e os intelectuais” – em que em
que apresenta duas concepções de individualismo: uma negativa, que rende
homenagem ao indivíduo particular (egoísmo), e uma positiva, que considera cada
indivíduo como representante da humanidade e da razão e rende homenagem à
pessoa humana. O autor defende essa segunda concepção, denominada como
“individualismo abstrato” por Martucelli e Singly (2012, p. 16).
Mas
é sobretudo Simmel que destaca a crescente liberação do indivíduo das antigas
dependências históricas nas sociedades modernas, buscando desenvolver uma
teoria sociológica do individualismo de maneira menos maniqueísta que seu
contemporâneo, Durkheim. Em O indivíduo e
a liberdade, Simmel identifica dois tipos de individualismo desenvolvidos
na cultura europeia a partir do século XVIII, fundamentados em duas concepções
distintas de liberdade. De acordo com Martucelli e Singly (2012, p. 20), o
interesse da obra de Simmel é que, diferentemente de Durkheim, ele não
estabelece nenhuma hierarquia entre esses dois individualismos e desloca os
termos do problema, tentando compreender de que maneira essas duas concepções
opostas se articulam.
A
primeira noção de individualismo desenvolve-se a partir do século XVIII e tem
na liberdade a sua motivação mais íntima. Segundo Simmel (2005, p. 108), a
liberdade se torna a bandeira universal por meio da qual o indivíduo protege
seus mais variados desconfortos e tenta se autoafirmar perante a sociedade. O
ideal da liberdade individual defende a liberação do indivíduo das instituições
religiosas, políticas e econômicas que constrangem os potenciais da
personalidade de maneira não-natural. É necessário, portanto, libertá-lo de
todas essas influências e das desigualdades artificialmente produzidas para que
o indivíduo possa desenvolver todos os valores internos e externos de sua
personalidade.
Essa
concepção de individualismo tinha como fundamento a igualdade universal, seja
esta fundada na natureza, seja na razão ou na humanidade. O centro do interesse
dessa época é o homem abstrato, que constitui a essência de qualquer pessoa
particular, ao contrário do homem historicamente situado, singularizado e
diferenciado pelos seus pertencimentos sociais. Com isso, Simmel (2005, p. 109)
aponta um contexto de pertencimento prévio e mútuo entre direito, liberdade e
igualdade, uma vez que o homem genérico, que representa o núcleo essencial do
homem individualizado, aparece em cada indivíduo particular sempre que este
seja libertado das forças sociais e desvios históricos que violentam sua essência
mais profunda. Para Martucelli e Singly (2012, p. 19), a concepção de
individualismo como independência individual, apresentada por Simmel,
corresponde ao “individualismo abstrato” de Durkheim.
Simmel
(2005, p. 111) também destaca que “esse conceito de individualidade implica, em
sentido prático, o laissez faire, laissez aller”, uma vez que se em todos os
homens é possível encontrar o homem abstrato como sua essência e se pressupõe o
seu desenvolvimento perfeito, então as relações humanas não necessitariam de
intervenções reguladoras especiais. No entanto, o autor afirma que não se
conseguiu eliminar totalmente as sombras da liberdade nos indivíduos, uma vez
que a igualdade manifestava-se de maneira muito imperfeita na realidade. Ademais, a própria suposição de que após a
conquista da liberdade, seguiriam-se novas iniquidades e opressões impulsionou
o acréscimo da exigência da fraternidade ao de liberdade e de igualdade, pois
“apenas a renúncia eticamente voluntária que esse conceito expressa pode evitar
que a liberdade fosse acompanhada do oposto da igualdade” (Simmel, 2005, p.
111).
De
acordo com Simmel (2005, p.111), se a consciência geral daquela época sobre a
essência da individualidade escondeu essa contradição entre igualdade e
liberdade, ela aparece novamente no século XIX. Nesse momento, surge uma
segunda concepção de individualismo que se contrapõe à síntese do século XVIII
e sua fundamentação da igualdade pela liberdade e vice-versa. Nessa concepção,
há uma ênfase na desigualdade e a liberdade permanece como o denominador comum
também com o correlato oposto. Contudo, é importante destacar que se, por um
lado, o autor aponta a contraposição entre as duas concepções de
individualismo, por outro, ele busca apreender sua articulação, mostrando que o
individualismo do século XIX pressupõe a concepção do século XVIII,
fundamentada na igualdade. Nas suas palavras, “tão logo o eu, no sentimento da
igualdade e universalidade, sentiu-se forte o bastante, passou a procurar a
desigualdade, mas apenas aquela que surgia como uma lei interna” (Simmel, 2005,
p. 112).
Simmel
(2005, p. 112) afirma ainda que após a libertação dos indivíduos de suas
antigas dependências históricas, o movimento segue adiante e estes indivíduos
tornados autônomos buscam agora distinguir-se entre si. Nesta segunda concepção, o importante não é o indivíduo
como tal, mas sim o que este tem de único e distinto. Desse modo,
intensifica-se a procura moderna pela diferenciação, a busca do indivíduo por
si mesmo, por um ponto de solidez e ausência de dúvidas, que se torna tanto
mais necessária quanto maior a complexidade da vida. E essa busca não pode ser
encontrada em instâncias externas à própria alma. Para o autor, as relações com
os outros são apenas estações no caminho em busca de si mesmo. Tais relações
são importantes seja porque o indivíduo se sente igual aos outros e sozinho com
suas próprias forças, precisando do apoio desse tipo de consciência, seja
porque os outros são importantes na comparação e visão da própria singularidade
e individualidade do próprio mundo.
Essa
concepção de individualismo encontrou seu filósofo em Schleiermacher, para quem
não apenas a igualdade, mas a diferenciação é uma obrigação ética. Simmel
(2005, p. 113) denomina esse individualismo de qualitativo em oposição ao
individualismo numérico do século XVIII e afirma que o romantismo alemão foi o
primeiro canal por meio do qual essa concepção permeou a consciência do século
XIX.
Segundo
Simmel (2005, p. 114), a primeira concepção de individualismo é o produto do
liberalismo racional da Inglaterra e da França, enquanto a segunda é uma
criação do espírito germânico. Embora em constante tensão, o autor afirma que
essas duas grandes forças da cultura moderna procuram um equilíbrio nas mais
diversas esferas. No entanto, até o século XIX, os dois tipos de individualismo
só foram unidos na constituição de princípios econômicos. Nesta esfera, a
concepção da liberdade e da igualdade fundamenta a livre concorrência, enquanto
a personalidade diferenciada é o fundamento da divisão do trabalho. Simmel
(2005, p. 115) adverte que as consequências “da concorrência sem peias e da
especialização da divisão do trabalho para a cultura interna não se deixam
apresentar exatamente como o maior benefício dessa cultura”.
A
análise de Simmel do individualismo não se restringe ao esboço da emergência de
diferentes ideias filosóficas e suas respectivas raízes culturais, dado que ele
também busca apreender as mudanças sociais que possibilitaram seu surgimento. Na
Filosofia do Dinheiro, Simmel mostra
de que maneira o desenvolvimento de uma economia monetária possibilitou uma
margem crescente de liberdade individual e, consequentemente, um maior domínio
da consciência pelo indivíduo.
De
acordo com Simmel (1977, p. 348), o desenvolvimento de uma economia monetária
conduziu a uma maior objetividade das relações sociais. Na medida em que o
dinheiro se torna o mecanismo universal de troca, ele permite determinar a
igualdade exata dos valores de troca, devido às suas propriedades de
divisibilidade e aproveitabilidade ilimitada. Como ele pode ser somado e
dividido de maneira ilimitada, ele permite a adoção de um critério quantitativo
na apreensão dos produtos, reduzindo toda qualidade e individualidade à
questão: “quanto?”. Portanto, nos mais diversos fenômenos, dentro da economia
monetária, os objetos tornam-se cada vez mais indiferentes em sua singularidade
e individualidade, carentes de essência e intercambiáveis (Simmel, 1977, p.
361).
O
princípio da objetividade adotado pela economia monetária também conduziu a uma
transformação da forma real que tomam as relações de dependência,
possibilitando o desenvolvimento da liberdade individual. Simmel (1977, p. 338)
explica que, enquanto nas formações sociais anteriores, a vinculação e o
direito do senhor abrangiam não apenas o produto do trabalho como também a
personalidade do trabalhador, a economia do dinheiro conduz a uma separação
completa da personalidade como tal frente às relações de dever. A adoção do
princípio da objetividade frente ao da personalidade conduz a uma transição em
que o limite do tempo de trabalho começa a ser determinado e, em seguida, não
se exige mais um tempo e uma força de trabalho determinados, mas um produto
determinado do trabalho. Desse modo, não há uma subordinação a outra personalidade
subjetiva. O dinheiro despersonaliza as relações.
Do
mesmo modo, no sistema de trabalho assalariado, o trabalhador adquire certa
independência frente ao empresário isolado, devido à frequência com que a
economia monetária muda o empresário e pela possibilidade múltipla de eleger ou
substituir a este que a forma do salário garante ao trabalhador, concedendo-lhe
uma liberdade completamente nova, dentro de suas ataduras. Contudo, Simmel
(1977, p. 359) destaca que a liberdade do trabalhador é também a liberdade do
empresário, que não existia nas formas de trabalho mais vinculadas. Em sentido
social, a liberdade, como a ausência de liberdade, constitui uma relação entre
seres humanos.
Simmel
(1977, p. 352) adverte que a economia monetária não possibilitou apenas uma
liberação do indivíduo, mas também uma configuração especial das relações de
dependência mútua que, ao mesmo tempo, deixa margem para um máximo de
liberdade. Isso porque essa economia estabelece uma série de vinculações,
inexistentes nas formações econômicas anteriores. A dependência de outras
pessoas alcançou esferas completamente novas, devido à crescente divisão
moderna do trabalho e a especialização das faculdades humanas que a acompanha,
além do aparecimento de técnicas mais complexas e de um número maior de
intervenções para atender mesmo às necessidades mais elementares. Mas o outro
lado do processo de divisão do trabalho é justamente que, à medida que o
sujeito se torna dependente de um número crescente de prestação de serviços,
ele se torna independente das personalidades que se encontram por trás destes,
porque só permite a ação de uma parte das mesmas, “excluindo por completo as
outras cuja conjunção é precisamente o que dá lugar à personalidade” (Simmel,
1977, p. 354).
Desse
modo, a economia monetária facilita a separação do elemento pessoal das
relações entre os seres humanos através de sua essência objetiva. Se o homem se
torna, por um lado, mais dependente de uma grande quantidade de provedores, ele
é muito mais independente da pessoa isolada e concreta que lhe presta um
serviço e que pode ser substituída com facilidade e frequência. Em consequência
disso, o indivíduo recebe como recompensa “a indiferença em relação com as
pessoas e a liberdade de intercâmbio com elas” (Simmel, 1977, p. 356).
Para Simmel (1977, p. 357), esta é a
situação mais favorável para produzir a independência interior e o ser-para-si
individual. É só a partir do exercício desta liberdade, que é possível
desenvolver a individualidade, de ampliar o núcleo do eu por meio da vontade e
sentimento individuais. O autor destaca que tal individualidade não pode ser
percebida como uma ausência de relações, mas, precisamente, como uma relação
muito determinada com os demais. Uma relação que pressupõe, como toda relação,
elementos de aproximação e elementos de distanciamento. Segundo ele, a
configuração mais favorável de ambos os elementos para explicar a independência
tanto em sua qualidade de fato objetivo como de consciência subjetiva parece se
manifestar quando se dão relações extensas com outros homens, dos quais foram
distanciados todos os elementos que são de natureza individual. Nas suas
palavras,
“a causa e o efeito destas dependências
objetivas, nas quais o sujeito como tal é livre, residem na trocabilidade das
pessoas; na troca voluntária dos sujeitos ocasionada através da estrutura da
relação se revela aquela indiferença do elemento subjetivo, que leva o sentimento
da liberdade” (Simmel, 1977, p. 358).
A
personalidade surge, assim, como a contraposição subjetiva das circunstâncias
de dependências objetivas e de indiferença impostas pela economia do dinheiro
que conduz a um largo processo de diferenciação social, do qual resulta a
acentuação da importância do eu, por um lado, e da coisa, por outro. Simmel
(1977, p. 361) afirma que o surgimento da personalidade é ao mesmo tempo o
processo de surgimento da liberdade, uma vez que tudo o que chamamos de
personalidade – a unidade de elementos psíquicos, sua concentração em um só
ponto, a insubstituibilidade de sua essência – implica também a independência e
exclusão de todo o exterior e o desenvolvimento de acordo com as leis da
própria essência – a que se chama liberdade.
Segundo
Simmel (1977, p. 362), em ambos os conceitos se manifesta um ponto último e
profundo da essência do indivíduo que enfrenta a todo objetivo, exterior e
sensorial, que se origina tanto fora como dentro da sua própria natureza. Tanto
o conceito de liberdade quanto o de personalidade constituem uma “expressão do
fato de que aqui surgiu a contrapartida do ser natural, contínuo e
objetivamente determinado, contrapartida cuja originalidade não somente reside
na aspiração a uma posição especial frente a ele, senão também na busca de uma
conciliação com ele mesmo”.
Além
da economia do dinheiro, o crescimento dos círculos sociais, que acompanha o
seu desenvolvimento, é percebido por Simmel como uma importante transformação
para o aumento da liberdade e da individualidade. O autor tenta compreender de
que maneira a personalidade se acomoda nos ajustamentos às transformações
sociais advindas com a vida na metrópole, lugar em que essa economia se
desenvolve. Simmel (1973, p. 12) busca apreender as condições psicológicas
criadas pela vida na metrópole, tendo em vista que a mente humana procede a
partir de discriminações entre a impressão de um dado momento e o que o
precedeu, e a metrópole extrai uma quantidade de consciência maior que a vida
rural. O autor afirma que a base psicológica do tipo metropolitano de
individualidade consiste na intensificação de estímulos nervosos, resultantes
da alteração brusca e ininterrupta de estímulos interiores e exteriores.
Diante
do ritmo de vida e da rápida convergência de imagens em mudança na metrópole, o
indivíduo metropolitano desenvolve uma consciência elevada e uma predominância
da inteligência. Segundo Simmel (1973, p. 13), a reação aos fenômenos
metropolitanos é transferida a um órgão menos sensível e bastante afastado da
zona mais profunda da personalidade, enquanto a intelectualidade assume a
preservação da vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana.
Ademais,
as relações emocionais íntimas entre pessoas fundadas em sua individualidade,
comuns nos pequenos círculos, dão lugar a relações racionais e anônimas, em que
se trabalha com o homem como um número, um ser que é em si mesmo indiferente. Simmel
(1973, p. 14) afirma que essa atitude “prosaicista” está tão inter-relacionada
com a economia do dinheiro que não se sabe se foi a mentalidade
intelectualística que primeiro criou essa economia, ou se esta última
determinou a primeira.
O
autor também destaca que o caráter objetivo da economia do dinheiro – com suas
características de exatidão, calculabilidade, etc. – são introduzidos à força
pela complexidade e extensão da existência metropolitana, de modo que ele não
está apenas intimamente ligado a essa economia, mas também conduz a uma
objetivação crescente de conteúdos existenciais. Desse modo, esse caráter
permeia o conteúdo da vida e favorece a exclusão daqueles impulsos irracionais
e instintivos, que tentam determinar o modo de vida de dentro, ao invés de
receber a forma de vida geral de fora. Na Filosofia
do Dinheiro, Simmel (1977, p. 347) destaca que é justamente essa capacidade
de observação objetiva, de prescindir do eu, que separa os homens, no puramente
psicológico, das ordens animais inferiores. E é isso o que impulsiona o
processo histórico ao seu resultado possivelmente mais nobre e à formação de
valores em que os interesses de uma parte não exclui o outro, senão abre
caminho a ele.
Simmel
(1973, p. 15) afirma que não há fenômeno psíquico que tenha sido tão
incondicionalmente reservado à metrópole quanto a atitude blasé, que expressa a relação entre uma estrutura da mais alta
impessoalidade e, em contraposição, uma subjetividade altamente pessoal. Em
princípio, essa atitude resulta dos estímulos contrastantes que são
continuamente impostos aos nervos. Mas o autor acrescenta que essa fonte
fisiológica da atitude blasé é
acrescida de outra que flui da economia do dinheiro e corresponde ao
embotamento do poder de discriminar toda qualidade dos objetos, de modo que
nenhum objeto merece preferência sobre outro. Para o autor, “esse estado de
ânimo é o fiel reflexo subjetivo da economia do dinheiro completamente
interiorizada” (Simmel, 1973, p. 16).
Simmel
(1973, p. 17) explica que na atitude blasé,
os nervos encontram na recusa a reagir aos incessantes estímulos a última
possibilidade de acomodar-se ao conteúdo e à forma de vida metropolitana.
Assim, a autopreservação da personalidade é alcançada ao preço da
desvalorização de todo mundo objetivo; uma desvalorização que no final arrasta
a personalidade da própria pessoa para uma sensação de igual inutilidade. Além
disso, sua autopreservação em face da cidade exige dele um comportamento de
natureza social negativa, como a reserva. Essa reserva assume a forma de um
fenômeno mais geral da metrópole, conferindo ao indivíduo uma quantidade e
qualidade de liberdade pessoal que não tem analogia sob outras condições.
Esse
aumento da liberdade está relacionado ao crescimento dos círculos sociais.
Segundo Simmel (1973, p. 19), os pequenos círculos permitem apenas relações
restritas com os outros grupos e não podem permitir a liberdade individual e o
desenvolvimento interior e exterior próprios, uma vez que guardam as
realizações, a conduta de vida e a perspectiva do indivíduo. Mas à medida que o
grupo cresce, a unidade interna do grupo se afrouxa, bem como a demarcação
original contra os outros grupos, possibilitando relações e conexões mútuas.
Assim, o indivíduo ganha liberdade de movimento, ao mesmo tempo em que adquire
uma individualidade específica, decorrente da divisão do trabalho tornada
necessária com o crescimento do grupo.
O
caráter extensivo da metrópole para além de suas fronteiras físicas e a
independência individual contribuem para que o aspecto quantitativo da vida
seja transformado em traços qualitativos de caráter. Simmel (1973, p. 21)
afirma que “o homem não termina com os limites do seu corpo ou a área que
compreende sua atividade imediata. O âmbito da pessoa é antes constituído pela
soma de efeitos que emana dela temporal e espacialmente”. Deste modo, a
liberdade que acompanha este processo não deve ser entendida apenas no sentido
negativo, como liberdade de mobilidade. O ponto essencial é que a
particularidade e incomparabilidade que todo ser humano possui sejam expressas
de alguma forma na elaboração de um modo de vida. A liberdade no sentido de o
indivíduo estar seguindo as leis de sua própria natureza só se torna óbvio para
ele e para os outros se as expressões dessa natureza diferirem das expressões
de outras. A pessoa se volta para diferenças qualitativas, buscando
atrair de alguma forma a atenção do círculo social, explorando sua
sensibilidade e diferenças. Do mesmo modo, a crescente divisão do trabalho na
cidade moderna compele o indivíduo a se especializar em uma função na qual não
possa ser prontamente substituído por outros. Esse processo conduz a uma
diferenciação crescente (Simmel, 1973, p. 22).
Portanto,
a individualidade para Simmel decorre de condições externas, como o
pertencimento a diversos círculos sociais separados entre si e, ao mesmo tempo,
do trabalho interior, íntimo. Apesar da grande contribuição teórica de Simmel
para pensar o crescente processo de individualização na modernidade, ele foi
praticamente esquecido depois da Primeira Guerra Mundial e maioria dos
sociólogos abandonou a ênfase dos clássicos na importância das formações
psíquicas particulares dos indivíduos na explicação da vida social.
Contudo,
Martucelli e Singly (2012, p. 23) destacam que a concepção de individualidade desenvolvida
por Simmel se torna central quase um século depois para uma corrente sociológica
denominada de “Sociologia do Indivíduo”, que defende a necessidade de uma nova
abordagem teórica à escala individual, haja vista a intensificação do processo
de individualização na sociedade moderna, a partir da segunda metade do século
XX – o que muitos teóricos chamam de segunda modernidade. Esses teóricos
afirmam que, diante desse processo, o indivíduo não pode ser mais definido
apenas pelos vínculos herdados e pelas determinações sociais. Faz-se necessário
prestar mais atenção no trabalho que o indivíduo realiza sobre si mesmo. Simmel
torna-se um dos principais precursores dessa corrente pela sua ênfase, por um
lado, na crescente divisão interna dos indivíduos e a independência entre as
diversas partes de seu ser e, por outro lado, na existência de um conflito
interior entre essas partes (Martucelli e Singly, 2012, p. 34).
Referências bibliográficas
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____________.
(2007b) Lecciones de Sociología del
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_____________(2005). “O
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____________ (1973). “A
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Editores.
___________ (1950). “The Stranger”. In: WOLF, Kurt H.
The sociology of Georg Simmel. New York, Knickerbocker Printing Corp.
2 comentários:
Obrigado por compartilhar esse tipo de conteúdo. É um verdadeiro achado para estudantes.
Valeu!
Muito bom esse trabalho. Me ajudando bastante. Obrigado!
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