Deixem-me
começar falando brevemente sobre o tema da aceleração. Diversos autores, com
interesses variados que vão da sociologia, à antropologia, filosofia e teoria
da técnica têm elegido a aceleração como um dos fenômenos modernos mais
significativos na contemporaneidade. Hermínio Martins, por exemplo, tem falado
recorrentemente de uma “aceleração da aceleração” - impulsionada pelas
tecnologias da informação e pelas nanotecnologias - e dos tristes e inóspitos cenários
em que uma adaptação pós-humana se tornaria cada vez mais inevitável. Paul
Virilio nos remete a um contexto dromológico
no qual já não podemos contar com sujeitos reflexivos capazes de se orientar
racionalmente no mundo, um contexto no qual o projeto iluminista de controle
sobre a vida humana e a realidade natural de modo amplo se torna impensável. Os
aparatos tecnológicos nos fragmentam e recompõem sem que possamos imprimir um
mínimo de identidade naquilo que fazemos. Jonathan Crary nos relata as
implicações de um assalto ao sono, de um capitalismo que se programa para
operar 24 horas por dia, 7 dias por semana. “Um ambiente 24/7 apresenta a
aparência de um mundo social quando na verdade ele se reduz a um modelo
associal de performance maquínica – uma suspensão da vida que mascara o custo
humano de sua eficácia. Não se trata mais disso que Lukács e outros autores
identificaram, no começo do século XX, como o tempo vazio e homogêneo da
modernidade, tempo métrico ou calendário das nações, das finanças ou da
indústria, de onde estavam excluídos tanto as esperanças quantos os projetos
individuais. O que há de novo é o abandono a relento da própria ideia de que o
tempo possa ser associado a um engajamento qualquer em projetos de longo prazo,
incluindo aí fantasmas de ‘progresso’ ou de ‘desenvolvimento’ (Crary, p. 19). O
instantâneo cada vez mais parece ser o nosso horizonte temporal, segundo
podemos depreender das análise de Crary. O filósofo Peter Sloterdijk, por seu
turno, fala-nos acerca dos aspectos niilistas de uma mobilização infinita dos
seres que é promovida pelas tecnologias da velocidade. “Eis aí o que nos
proporciona a fórmula dos processos de modernização: o progresso é movimento em
direção ao movimento, movimento em direção a mais movimento, movimento em
direção a uma maior aptidão para o movimento” (La mobilisation infini, p. 35). Nesta mobilização sem sentido de
todas as coisas pelo imperativo da velocidade, nós somos capturados. Hartmut
Rosa, de uma perspectiva mais sociológica, oferece uma análise interessante das
tensões e intensidades entre diferentes âmbitos da aceleração, nomeadamente, no
campo tecnológico, social e individual. “Experimentar a vida em todos os seus
altos e baixos e em sua inteira complexidade se torna a aspiração central do
homem moderno. As opções oferecidas sempre ultrapassam. Mas, ao fim e ao cabo,
o mundo sempre parece ter mais a oferecer do que pode ser experienciado em uma
vida individual”. E algumas linhas adiante, ele arremata: “A aceleração serve
como estratégia para apagar a diferença entre o tempo do mundo e o tempo de
nossa vida. A promessa eudemonista da aceleração moderna então parece ser um
equivalente funcional das ideias religiosas da eternidade ou vida eterna, e a
aceleração do ritmo da vida representa a resposta moderna ao problema da
finitude e da morte” (Rosa, 2009, p.
91). Buscamos a intensidade do presente, sua aceleração e múltiplas
possibilidades, como há alguns séculos se buscava um futuro, uma vida além da
morte, que nos redimisse de nossa perecibilidade.
Esses autores e
suas ideias me ajudarão ao longo dessa exposição. Mas gostaria de principiar
minha fala me reportando ao livro de Bernard Stiegler, Para uma nova crítica da Economia Política, um livro não
diretamente relacionado ao tema aqui em foco, mas que certamente pode
contribuir para lançar algumas luzes sobre este contexto amplo que nos
interessa, ou seja, a aceleração da produção científica e tecnológica no plano nanométrico.
O objetivo filosófico inicial de Stiegler nesta pequena é reclamar para a
filosofia o campo da economia política para dali, não atualizar uma crítica marxista
ao capitalismo contemporâneo, mas proceder a deconstrução - aqui no sentido que Derrida outorga a esse termo -
de algumas das ideias fundamentais do velho pensador alemão. Mediante esse
recurso, ele pretende analisar o papel fundamental que o consumo tem para
entendermos a dinâmica acelerada do capitalismo contemporâneo.
A sociedade do
consumo, ou mais propriamente, o consumismo contemporâneo é uma forma de lidar
com as crises crescentes do capitalismo que resultam de uma tendência a
diminuição da taxa de lucratividade, já observada por Marx no século XIX. Esta saída
- que depende obviamente de uma aceleração no tempo de consumo das mercadorias,
na perecibilidade de tudo o que nos cerca - no entanto, constitui uma falsa
solução para o problema. Como já observava David Harvey, em A Condição Pós-Moderna, a aceleração proporcionada
pelas tecnologias da informação, pela crescente financeirização das relações
econômicas, pelo surgimento de modos flexíveis de gestão, constituiriam o
conjunto de remédios encontrados pelo capitalismo para gerir crises que este
produz inevitavelmente. A inovação sem tréguas e a obsolescência perpétua e
programada de bens e serviços - às quais o impulso inovador está associado – apresentam
uma afinidade eletiva clara com a propensão crescente ao consumo que conhecemos
tão bem e a ação conjunta dessas forças salvaria o capitalismo de sua tendência
à crescente diminuição das margens de lucro a que a própria concorrência
levaria. Nestes cenários desoladores empregos, lucratividade, crescimento
econômico não podem ser sustentados a longo prazo e para o conjunto da economia
global. Ao produzir a perecibilidade, e portanto a aceleração do giro dos
capitais, a inovação e aceleração da vida constituem uma resposta técnica para
o problema político e social mais amplo que diz respeito à sustentabilidade, em
sentido amplo, do capitalismo e do mundo em que vivemos.
Para Stiegler, as
catástrofes ambientais que se anunciam e se realizam seriam, por exemplo,
evidência da insustentabilidade de tal modelo. O desenvolvimentismo sem
preocupações ambientais e sociais que conhecemos é uma evidência disto –
pensemos na alternativa privada encontrada para o problema da mobilidade
urbana que adotamos, para ficarmos num exemplo menos controvertido. Poderíamos falar também das soluções energéticas encontradas para promover nosso crescimento econômico, mas fiquemos por aqui. O
consumismo, pois, é a lógica da devastação, do extenuação dos recursos e do
próprio ser humano, mas sem ele o capitalismo parece incapaz de mitigar sua
crise contemporânea. “´A política de investimento’, que não tem outro objetivo
além da reconstituição do modelo consumista, é a tradução de uma ideologia
moribunda, tentando desesperadamente prolongar a vida do modelo que se tornou
autodestrutivo, negando e ocultando por tanto tempo quanto possível o fato de
que o modelo consumista é agora massivamente tóxico" (Stiegler, p.5). O consumismo
é necessariamente baseado no curto prazo, no descartável, na especulação, na
aceleração da aceleração, tanto da produção como do uso dos bens e serviços, e
esta última é intrinsecamente “tóxica”, para voltarmos ao termo usado por
Stiegler, tanto para o ser humano quanto para o seu ambiente. Os desastres
ambientais, o aumento de doenças relacionadas ao stress da vida contemporânea não são efeitos colaterais da
aceleração tecnológica - desajustes que poderiam ser contornados mediante a
racionalização dos cálculos de risco -, mas sua própria essência. O consumismo
é uma expressão consumada do niilismo ocidental.
Para Stiegler,
um elemento fundamental de todo modo tecnológico é constituir uma forma de “gramatização”,
isto é, grosso modo, de
automatização, formatação e reprodutibilidade da vida social. Sem ela não há
propriamente formas sociais previsíveis a partir das quais nós possamos nos
relacionar, evidentemente, mas sempre podemos, e é este o caso agora, perguntar
a que tipo de gramática submetemo-nos quando aceitamos sem mais este modelo da
aceleração e do consumo desenfreado, quais são seus pressupostos. Toda “gramática
social” diz-nos sempre o que é importante que retenhamos na memória - que
gestos, movimentos e atitudes devemos tomar, em quais circunstâncias - e
segundo que tipo de prioridade e acessibilidade devemos preservar um evento do
esquecimento. O poder sempre se estabelece como gramática, como memória
acessível de algum tipo de comportamento esperado e esquecimento daquilo que
compromete sua lógica de reprodução. Um dos pressupostos das tecnologias de
aceleração contemporâneas (isto é, da aceleração da aceleração) é, todavia, o fato
de promover o esquecimento, isto é, elas promovem o esquecimento do que já
sabemos das coisas (o nosso saber-fazer, nosso know-how) e da forma como aprendemos a viver (nosso savoir-vivre). Para conseguir esses
objetivos, as tecnologias de aceleração que lastreiam a sociedade do consumo se
baseiam em um tipo específico de gramatização, nomeadamente, a de nossos
desejos.
O velho Marcuse
já nos dizia algo parecido em vários de seus livros, em O Homem Unidimensional, por exemplo. No contexto em que vivemos, é
preciso não apenas formatar os nossos desejos em direção ao consumo de produtos
disponíveis, mas estimular o próprio impulso de desejar. É preciso que
desejemos desejar, pois essa é a regra segundo a qual nos tornamos funcionais
num mundo acelerado, da instantaneidade. Nossa
energia libidinal, portanto, deve ser domada ou, para usarmos o novo
sentido que Stiegler dá a esse termo, proletarizada
pelos aparatos de produção e consumo capitalistas. A aceleração tecnológica
só é concebível nestes termos. Ouçamos Stiegler: “Marx não pôde, entretanto,
antecipar o papel da exploração e funcionalização de uma nova energia, que não é a energia do proletário produtor (o labor
como pura energia laboral), nem a energia motriz de um novo aparato (tal como
óleo ou eletricidade, que são colocados a serviço da indústria do aço e das
indústrias da cultura), mas antes a energia do consumidor proletarizado – quer dizer, a energia libidinal do
consumidor” (p. 25). Nosso modo de vida é, portanto, vertiginosamente desejante e, por isso mesmo, ansioso, incapaz de gozar a partir das competências cognitivas,
estéticas, práticas que conquistamos ao longo do tempo, fundamentalmente
destruidor de todo saber viver que eventualmente essas competências ajudam a
constituir. Poderíamos neste ponto recordar do livro de Richard Sennett
acerca do que ele denomina “corrosão do caráter”, ou seja, como as relações
profissionais, humanas são minadas diuturnamente num contexto de aceleração tecnológica
e da flexibilização ampla (das relações laborais e entre os seres humanos) que
lhe é imprescindível.
Se aceitamos a
argumentação de Bernard Stiegler, parece evidente que as nanociências e
nanotecnologias desempenham hoje um papel importante na constituição desta
gramática da destruição programada, da mobilização e aceleração constantes dos
‘fatores produtivos’, da energia libidinal que predispõem ao consumismo e seus
efeitos tóxicos. Esta aceleração pode ser traduzida em números que não podem
deixar de ser considerados pelos gestores de ciência, tecnologia e inovação. Entre
as poucas informações que oferece sobre nanociências e nanotecnologias, o site
do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação traz as seguintes: ““Dados recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e empresas de consultoria indicam que o mercado de produtos
nanotecnológicos movimenta cerca de US$ 350 bilhões e, em 2020, estima-se que
esse valor será superior a US$ 3 trilhões”[1].
Em termos mais concretos e atuais, a nanotecnologia já aparece em um número
considerável de produtos comercializados em todo o mundo, que vão de protetores
solares, a componentes de computadores ou implementos agrícolas.
“Ao menos
1.600 produtos para o consumo entraram o mercado apenas nos últimos, e isso é
apenas uma fragmento dos produtos e processo já em uso e em desenvolvimento –
todos medidos em unidades 90.000 vezes menores que a largura de um cabelo
humano. Por volta de 2020, seis milhões de pessoas ao redor do mundo podem trabalhar
com nanomateriais, revolucionando o tratamento da saúde, tecnologia da
informação, sistemas de energia e outros campos. As corporações agora
contribuem com metade dos fundos para pesquisa em fronteiras nano, alcançando
os governos, liderados pelos Estados Unidos (com U$ 21 bilhões investidos desde
2001) e 60 outros países, mais proeminentemente a Alemanha, França, Japão,
Coreia e China) (Nanotechnology and the
S&P 500: Small Sizes, Big Questions, By Susan L. Williams)
Que não existam
marcos de regulação da produção e comercialização destes produtos a partir de
pesquisas robustas de impacto ambiental e de saúde significa apenas isto: o
investimento maciço em inovação realizado pelas companhias precisa ser
traduzida em lucros que realimentem as condições de competitividade e
reinvestimento . O tempo aqui, por tudo o que dissemos, é uma
questão vital. Em outras palavras, assim como a indústria de armas não pode
subsistir sem produzir guerras e uso cotidiano de armas de fogo, os US$ 21 bilhões
investidos pelo governo estadunidense, somados aos outros tantos bilhões que
foram investidos por empresas daquele país, de 2001 a 2013, precisam se
traduzir em produtos que gerem receitas capazes ao menos de recuperar aqueles
aportes. Para as companhias, a diferença entre o curtíssimo e o curto
prazo pode significar prejuízos consideráveis, donde a pressão pela aceleração.
Por isso mesmo: “Uma crítica recente feita pelo National Research Council (NRC)
concluiu que ‘esforços de investigação ambiental, de saúde e segurança não etão
conseguindo acompanhar as aplicações de nanotecnologia, em seu crescimento e
desenvolvimento, e os potenciais efeitos destes materiais sobre os humanos e
ecossistemas não são ainda completamente entendidos” (Ibid, p. 26). Não
repisarei o óbvio para vocês: as propriedades da matéria em nanoescala e sua
interação com o mundo que conhecemos estão longe de serem compreendidas
satisfatoriamente. Acrescentarei apenas que a desmaterialização a realidade, o
fato de que nossas intervenções tecnológicas ganhem o nível molecular em áreas
como a física, química e biologia guarda uma afinidade clara com a aceleração
sobre as quais falamos. A lógica parece ser: se a matéria resiste, podemos
desmaterializá-la e reconfigurá-la de acordo com as
necessidades cinéticas de nosso modo de vida.
Aqui,
evidentemente, não se trata de fazer uma análise das nanociências e
nanotecnolgias in abstracto, mas no
contexto dos compromissos político e econômicos que a pesquisa científica nessa
área não pode deixar de estabelecer com essas forças mais amplas. Qualquer
cientista que se dedique a uma pesquisa pela produção de novos materiais, a
partir de sua manipulação em escala manométrica, terá necessariamente que se
confrontar com essa realidade. Há alguns anos, quando entrevistei
investigadores brasileiros da Rede Nacional de Nanobiotecnologia, o depoimento
de uma cientista mineira me chamou a atenção precisamente por evidenciar as
pressões dromológicas com as quais a pesquisa em nanotecnologia convive. Ora,
existe em toda pesquisa que objetiva desenvolver novos fármacos uma restrição
com a qual os laboratórios têm de conviver, se essa pesquisa se destina a
promover a saúde humana. Todos sabemos que neste campo a inovação é
particularmente demorada. Mesmo quando um fármaco teoricamente mostrou sua
eficácia, ainda é necessário um período considerável com testes com seres
humanos para dimensionar seus possíveis efeitos colaterais. Parte do grupo que
se dedica a nanobiotecnologia em Minas Gerais havia decidido dedicar suas
atividades de pesquisa à promoção da saúde animal precisamente porque ali o
processo poderia ser acelerado sem as restrições éticas que encontramos quando
tratamos de testes de medicamentos em seres humanos. Segundo a mesma cientista,
a decisão de pesquisar cosméticos também teria esse como um fator importante:
controles biológicos de segurança mais brandos no campo dos cosméticos, se o
comparamos aos medicamentos, naquele momento, hoje já não saberia dizer,
distintamente da produção de medicamentos para seres humanos, significavam uma
aceleração do processo inovador.
Nos dois casos,
obviamente outros fatores estavam em jogo: dedicar-se a um nicho de mercado
onde teríamos condições de competição privilegiadas, por exemplo. Nos dois
casos, havia na época em que realizei as entrevistas uma discussão acalorada
sobre o controle do percurso de nanopartículas na natureza e organismo humano,
quer esse percurso principie no organismo de um animal, ou na pele de alguém
que comprou um protetor solar com componentes nanoestruturados. O fato é que os
desafios para a ciência realizada em países em desenvolvimento, como o Brasil,
no que concerne à velocidade são ainda mais radicais e contraditórios. A lógica
é a seguinte: se não quisermos pagar por uma tecnologia que vai ser mesmo
hegemônica, precisamos acelerar mais que os países desenvolvidos e, no
processo, abandonando alguns cuidados que retardam o desenvolvimento. As
discussões sobre a produção e energia no Brasil aqui se colocam numa lugar
político e econômico particularmente tenso. O fato é que, se pensarmos no que
havia de conhecimento acumulado no campo das nanociências no Brasil há vinte
anos e hoje, é impossível não perceber a velocidade com que a pesquisa nessa
área se tem desenvolvido no Brasil, em especial nas áreas de química, farmácia
e medicina e física.
“O último levantamento da PINTEC,
feito em 2008, reporta que existiam 608 empresas envolvidas com nanotecnologia.
No entanto, não diferenciou aquelas que apenas incorporaram a tecnologia
daquelas que fizeram P,D&I. Levantamento conduzido pela CGNT mostra que
aproximadamente 130 empresas desenvolvem P&D em nanotecnologia. Foram
contabilizadas as empresas contempladas nas Chamadas Públicas à Subvenção
Econômica de 2006 a 2010, RHAE – Pesquisador na Empresa de 2007 a 2009 e
ICT–Empresas de 2006 e 2009”. (http://nano.mct.gov.br/a-nanotecnologia-no-brasil/)
Se considerarmos
as empresas que receberam ou recebem algum tipo de benefício econômico em
nanotecnologia, ainda parece expressivo o impulso que setores como fármacos,
saúde e odontologia recebeu: 27% dos investimentos nas 130 empresas que
desenvolvem pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia tiveram esses destinos.
No âmbito do turbocapitalismo, a aceleração tecnológica, em cujo âmbito as
nanociências e nanotecnologias desempenham um papel destacado, entretanto, age
na contramão dos interesses pela saúde humana ou animal. As estatísticas de
aumento de doenças psíquicas, como depressão, síndrome de burnout, diversas formas de ansiedade, dão bem uma ideia das
demandas a que somos submetidos pelos intensificação dos ritmos sob a égide do
consumo. Para esse novo quadro, evidentemente, o capitalismo tem também a sua
solução, e ele significa medicalização. Pais sem tempo para dedicar aos seus
filhos tendem a medicá-los, como comprovam as estatísticas de consumo de Ritalina nos Estados Unidos da América e
na Alemanha. Entre cientistas, músicos, entre os nossos estudantes, também
parece haver uma tendência crescente ao uso de antidepressivos e ansiolíticos
como forma de lidar com as pressões crescentes a que somos submetidos. Os
números de consumo desses produtos no Brasil, quando são divulgados, são
preocupantes. Esses produtos permitem que continuemos em nosso ritmo
vertiginoso sem nos perguntarmos acerca do sentido de acelerar tanto, sem nos
indagarmos acerca dos pressupostos da gramática mais geral a que somos
submetidos.
Ao cientista,
todavia, não deve ser dada a concessão da ingenuidade do não exercício da
crítica. Falar sobre inovação tecnológica, e especificamente sobre
nanotecnologias, cujas perspectivas são tão revolucionárias, hoje significa nos
indagarmos sobre os compromissos mais amplos dentro dos quais exercemos nossa
atividade.
Bibliografia
Crary, Jonathan. 2014. 24/17. Le capitalism à l’assault du sommeil. Paris, Zones.
Gasman, Lawrence. 2006. Nanotechnology applications and markets. London, Artech House.
Martins, Hermínio. 2003.
“Aceleração, progresso e experimentum
humanum”. In Hermínio Matins e José Luís Garcia (coord.), Dilemas da Civilização Tecnológica. Lisboa, Imprensa de Ciências
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Rosa, Hartmut. 2009. “Social acceleration: ethical and political
consequences of a desynchronized high-speed society”. In Harmut Rosa e William E. Scheuerman (org.) High-Speed Society: social acceleration, power, and modernity. Pennsylvania, Pennsylvania University
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---------------------. 2005. Accélération. Une
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Sloterdijk, Peter. 1999. Ensaio sobre a Intoxicação Voluntária:
conversa com Carlos Oliveira. Lisboa, Fenda.
---------------------. 2000. La mobilisations infini. Vers une
critique de la cinétique politique. France, Christian Bourgois Éditor.
---------------------. Cólera e Tempo. Ensaio
político-psicológico. Lisboa, Relógio D’Água.
STIEGLER, B. 1994. La techique et le temps. T. 1, La faute
d’Epimethée, Paris, Galilée.
---------------. 2010. For a new critique of political economy. Cambridge, Polity Press.
Virilio, Paul. 2001. Velocidade e Política. São Paulo,
Estação Liberdade.
[1] Fonte: http://nano.mct.gov.br/nanotecnologia-e-desenvolvimento-economico/; acessado em 14/10/2014.
2 comentários:
Jonatas,
Seu texto faz articulações cruciais: novo capitalismo/tecnologia/aceleração/consumo.E quando você fala na inovação sem tréguas como solução destrutiva à tendência à queda da taxa de lucro sob o capitalismo, remeteu-me a um dossier de Philosophie Magazine, onde um célebre defensor de projetos transhumanistas, Peter Thiel, afirma que a competição é incompatível com o capitalismo, exatamente porque a acumulação sob forte concorrência é lenta ou impossível. E aí, alegremente, esse rapaz defende o monopólio como modo eficiente do capitalismo, estando convicto de que o sentido da vida é a inovação. Sabe o título do dossier desse Magazine? LIBERTÉ, INÉGALITÉ ET IMMORTALITÉ - LE MONDE QUE VOUS PRÉPARE LA SILICON VALLEY. E sabe como uma filósofa ex-derridiana sintetiza sua crítica a esses projetos? Distinguindo o conceito de plasticidade (de Hegel) do de flexibilidade (transhumanista/repressivo) e afirmando que as ciências humanas precisam superar a dicotomia natureza/cultura para enfrentar processos e projetos repressivos como os que você descreve sobre a nanotecnologia e a aceleração da aceleração da vida sob a ordem capitalista.
Essa moça, Ctherine Malabou, mergulhando nas neurociências, parece confirmar uma visão do pragmatismo contemporâneo:a natureza pode ser um excelente guia para criticarmos/enfretarmos a concepção turbocapitalista do homem e da sociedade. Richard Sennet assim diz.
Parabéns pelo texto.
Oi, Tâmara. E por que você não me envia esse dossiê? Abraço. Jonatas
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