sábado, 22 de novembro de 2014

Roy Bhaskar (15 de maio de 1944 - 19 de novembro de 2014)



Por William Outhwaite (Professor na Universidade de Newcastle, Reino Unido). Traduzido por Cynthia Hamlin.

Roy Bhaskar, que faleceu aos 70 anos de causas associadas à insuficiência cardíaca, foi um dos filósofos mais criativos e versáteis dos últimos quarenta anos. Nascido em 1944, filho de pai indiano e de mãe inglesa, cresceu em Londres e estudou Filosofia, Política e Economia em Oxford, onde ensinou no Pembroke College e iniciou uma tese de doutorado em economia do desenvolvimento. Esse projeto transformou-se em uma crítica das ciências sociais, orientado pelo filósofo e psicólogo social Rom Harré. Socialista ativo, como sua parceira Hilary Wainwright, Bhaskar participou dos movimentos de 1968, incluindo o dos Estudantes Revolucionários Socialistas de Oxford (Oxford Revolutionary Socialist Students- ORSS). Depois de trabalhar em Edimburgo e em Sussex, trabalhou sobretudo de forma independente, ainda que com ligações acadêmicas em Tromso, Orebro e Londres. Ele também devotou muitos esforços ao estabelecimento e manutenção de um grande número de organizações ligadas ao realismo crítico.

Em 1975 lançou seu programa realista com A Realist Theory of Science, seguido, quatro anos mais tarde, de The Possibility of Naturalism. Embora o realismo filosófico tenha uma história muito mais antiga, foi nos anos de 1970 que ele começou a ter um impacto significativo nas ciências sociais, seguindo outros movimentos anti-positivistas na filosofia da ciência. Um dos princípios centrais do empirismo lógico era o “princípio da verificação”, a ideia de que o significado de uma proposição empírica depende de como ele pode ser testado. Karl Popper (1934) demonstrou a impossibilidade da verificação conclusiva na ciência e virou a questão de cabeça para baixo, argumentando que a testabilidade era melhor entendida em termos de falsificação. A proposição de que todos os cisnes são brancos nunca pode ser conclusivamente verificada, ao passo que pode ser falseada por meio de uma única observação de um cisne negro. As teorias científicas são expostas a testes, como Einstein tinha feito ao efetuar uma predição acerca da posição de Mercúrio que se mostrou correta em 1910. Na análise de Popper, isso não comprovou a teoria, apenas tornou-a mais verossímel, dado que havia passado um teste crucial. Como um carro que foi aprovado em uma inspeção anual, ela poderia ser considerada condicionalmente confiável até o próximo teste.

Esta abordagem influente foi colocada em questão pelo historiador da ciência Thomas Kuhn, que mostrou em 1962 que, na maior parte do tempo, os cientistas trabalham no seio de quadros de referência não questionados, ou em paradigmas, trocando de um para outro apenas em períodos de revolução científica, num processo semelhante à conversão religiosa. Ao mesmo tempo, na filosofia da ciência, Mary Hesse enfatizava a importância dos modelos em uma abordagem realista que também chamava atenção para o mapeamento meramente parcial entre as teorias e a realidade. Rom Harré desenvolveu esse foco nos modelos em uma importante análise da causação, concebida em termos de estruturas subjacentes e mecanismos, e não da conjunção constante entre eventos. A força centrífuga da rotação terrestre é equilibrada por sua gravidade, com a consequência conveniente de que nós podemos andar confortavelmente sobre a terra, assim como pular no ar cerca de um metro, se quisermos.

Ao chamar sua versão dessas ideias de realismo transcendental, Bhaskar pretendia não apenas diferenciá-la do realismo empírico, mas também enfatizar que estava se baseando em um argumento transcendental acerca da existência da ciência. A ciência não requer apenas experiências (Hume) e categorias estruturantes (Kant), mas também depende de que o próprio mundo consista de estruturas e mecanismos independentes que os cientistas procuram, de forma aberta e falível, apreender em pensamento. Tanto Harré quanto Bhaskar foram substancialmente motivados pelo desejo de solapar teorias e abordagens positivistas nas ciências sociais. Entretanto, eles também estavam interessados em fornecer uma concepção mais adequada da ciência como um todo, em um mundo composto de mecanismos e estruturas relativamente duráveis. Alguns desses mecanismos podiam ser isolados na experimentação científica, mas sua operação é, na maioria dos casos, independente do fato acidental de que os seres humanos surgiram na terra e, eventualmente, passaram a fazer ciência.

Essa e outras características do realismo significaram que toda a questão do naturalismo, a ideia de que não há uma separação radical entre as ciências naturais e sociais, deveria ser repensada. Os seres humanos, como outras entidades, apresentam poderes causais e propriedades que podem ou não ser ativadas. O “modelo transformacional da atividade social” de Bhaskar é próximo à teoria da estruturação desenvolvida por Anthony Giddens mais ou menos à mesma época. Na versão de Bhaskar, ele levou a um modelo de crítica social segundo o qual a crítica de teorias inadequadas leva à crítica das condições sociais que as faz parecer plausíveis. O realismo encontrou um lar mais confortável na sociologia e nas relações internacionais do que na filosofia da ciência acadêmica, tornando-se uma vertente importante na teoria social contemporânea. Bhaskar e outros realistas paulatinamente voltaram sua atenção crítica do positivismo em direção ao pós-modernismo e à abordagem mais relativista do filósofo estadunidense Richard Rorty.

O trabalho de Bhaskar continuou ao longo dos anos de 1990 com um livro importante sobre dialética e, neste século, com uma “virada espiritual” em direção a uma teoria mais especulativa da metarrealidade. Seus estudos mais recentes, desenvolvidos na posição de “World Scholar” do Instituto de Educação em Londres, focaram questões ecológicas e a crise climática global. Numa época em que boa parte da filosofia vem se tornando cada vez mais técnica e introvertida, Bhaskar destacou-se por sua curiosidade infindável e por sua abertura a novas ideias. Ele combinava seu brilhantismo com um espírito afetuoso e um grande senso de humor.

4 comentários:

Tâmara disse...

Eu nem estava sabendo desse triste falecimento.
Essa homenagem é também uma boa apresentação do realismo crítico, Cynhtia. Já ouviu falar de um "novo realismo" de um filósofo alemão de trinta e poucos anos? Li uma entrevista rápida e fiquei pensando se há ou não relação com o realismo crítico..
Vou colocar este texto no perfil do Pibid daqui.
Abraço, Tâmara

Anônimo disse...

Depois dessa apresentação acerca do realismo critico, uma pergunta que não quer calar:

o real é relacional ?


Danilo

Tâmara disse...

Não li ainda,mas mando um link com um artigo de Frédéric Vandhenbergh, também sobre Bhaskar e seu falecimento. Quem sabe Fred ajude Danilo a tirar sua dúvida? Abraço, Tâmara
http://www.journaldumauss.net/?Mort-d-un-maitre-penseur-Roy

Anônimo disse...

Valeu Tâmara, vou ler. abraço


Danilo