quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Denúncia de homofobia na CEU

Lena sugere que eu coloque uma chamada no CAZZO para a notícia que saiu no Blog do Jamildo. Embora não tenha todas as informações a respeito do fato, acredito na convivência pacífica entre homossexuais e heterossexuais. Se isso não ocorre, merece um posicionamento da sociedade contra a intolerância - e olhe que tolerar (do latim, tolero, "suportar o fardo") é o mínimo que podemos pedir diante da diferença. Acredito também que os fatos merecem um posicionamento da UFPE como instituição de ensino, de educação. Discutamos o ocorrido. E o link para a notícia é o seguinte:

"Denúncia de Homofobia na Casa do Estudante Universitário"

Em tempo: por favor, leiam também o artigo que Samarone Lima, ex-residente da CEU, como eu, escreveu a respeito. Assinaria em baixo de tudo o que ele disse, embora tenhamos memórias bastante distintas de nossa experiência. Aí vai:

"CEU"

Jonatas

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Novas tecnologias reprodutivas e a desnaturalização dos espaços de gênero - final



Considerávamos que por si só um óvulo fecundado não se desenvolve. Falamos da necessidade de um útero que o suporte e o nutra durante meses de gravidez. Mas, evidentemente, essa é só uma parte da estória, como fica claro nos processos de reprodução assistida, de fertilização in vitro. Nesses casos, há de existir um aparato médico e hospitalar adequado, em condições, de implantar este óvulo, na verdade estes óvulos, e preparar o útero que os suporte. E isso significa um processo desgastante de submissão do corpo feminino a um longo e dispendioso tratamento que compreende, entre outras etapas, indução de ovulação mediante drogas injetáveis, acompanhamento através de ultra-sonografia, aplicação de hormônio, punção folicular etc. Como não há certeza de que todo esse tratamento resulte em embriões viáveis, o processo pode se repetir algumas vezes. A esse respeito, Débora Diniz observa algo importante:

“São raras as situações em que tanto a mulher quanto seu companheiroapresentam restrições clínicas de fertilidade. Regra geral, os limites físicos estão no corpo de apenas um dos parceiros, muito embora grande parte dos tratamentos e induções hormonais ocorra no corpo da mulher” (Diniz, In Ferreira et al., 2007, p. 51).
Esse tipo específico de mediação tecnológica traz consigo, naturalmente, uma série de variáveis que precisam ser de algum modo equacionadas. ‘Quantos embriões devem ser implantados para tornar o procedimento mais garantido, mais seguro e mais rentável?’, pergunta-se o aparato médico-hospitalar. E nós perguntamos muito simplesmente: por que os interesses desse ator teriam automaticamente que se compatibilizar com as expectativas femininas com relação às suas gestações? Obviamente, não têm e dificilmente se harmonizariam com elas.

Ao se perguntar “O que torna uma mulher elegível para as novas tecnologias conceptivas?”, Débora Diniz chama ainda nossa atenção para um dado importante dos processos de fertilização in vitro. Os “critérios de eligibilidade” de uma mulher para semelhante tratamento têm sido marcados pela pressuposição da heterossexualidade, ou seja, que o impedimento técnico para a fertilização seja de ordem biológica. Uma mulher lésbica, cuja infecundidade é voluntária, que deseje se candidatar a esse tipo de atendimento médico deve ser considerada como elegível? A resposta que as clínicas de FIV têm dado a essa questão têm sido conservadoras, o que nos leva mais uma vez ao nosso argumento. Se é verdade que as novas tecnologias de reprodução abrem espaço para a desnaturalização, desessencialização, dos espaços de gênero, tanto mais verdade é que a ocupação desses espaço é uma questão política. Nada, de antemão, garante que as velhas polaridades que fundam o modelo falogocêntrico e heterossexual de poder sejam simplesmente abolidas quando sua historicidade se torna patente. O contrário tem sido percebido com freqüência.

Hoje, quando temos diante de nós a molecularização da saúde e da vida, multiplicam-se nossas ansiedades. Esse ‘mal-estar’ se potencializa na exata medida que acreditamos exercer um controle cada vez mais completo e complexo, nanométrico, sobre o mundo biológico, físico. Por isso mesmo, as biotecnologias e os novos campos de biopoder que elas abrem tornam-se parte fundamental da discussão da contemporaneidade. Se isso é verdade, não há como desvincular as discussões acerca das novas formas de reprodução, do diagnóstico genético pré-implantação, ou da pesquisa com células-tronco embrionárias, de lutas políticas mais amplas que dizem, certamente, respeito à emancipação das mulheres. Porém, de um modo mais amplo, essas questões dizem respeito à elaboração do sentido da vida nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, acredito que elas não podem ser evitadas por quem quer que se posicione criticamente diante das formas de poder que buscam determinar a vida que devemos viver.

Pronto! Acabou.

Referências

DAVIES-FLOYD, R.; J. DUMIT. 1998. Ciborg Babies. London, Routledge.

EDWARDS, J.; S. FRANKLIN; E. HIRSCH; F. PRICE; M. STRATHERN. 1999. Technologies of Procreation. Kinship in the age of assisted conception. Londres, Routledge.

FERNANDES, A.C.; LIMA, J.P. 2006. “Cluster de serviços: contribuições conceituais a partir de evidências do pólo médico do Recife”. In Nova Economia, 16 (1): 11-47.

FERREIRA, V.; M.B. ÁVILA; A.P. PORTELLA. 2007. Feminismo e Novas Tecnologias Reprodutivas. Recife, SOS Corpo.

FRANKLIN, S.; H. RAGONÉ. 1998. Reproducing Reproduction. Kinship, Power and Technological Innovation. Philadelphia, University of Pennsylvania Press.

HABERMAS, J. 2004. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo, Martins Fontes.

ROHDEN, F. 2001. Uma Ciência da Diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.

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(por editar)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Novas tecnologias reprodutivas e a desna-turalização dos espaços de gênero - parte 3

(continuação)

Evidentemente, a indústria da saúde pode ser pensada nos mesmos termos. Janelle Taylor mostra o quanto uma cultura da ultra-sonografia, um procedimento hoje universal para as gestantes com algum tipo de acompanhamento médico, desenvolveu-se às expensas do que é considerado razoável pelas autoridades de saúde nos EUA. De um percentual de 36% de grávidas que recorriam ao diagnóstico no começo da década de 80, em caso de gravidez considerada de risco, os EUA chegam aos 90 com cifras em torno dos 80%. As justificativas para um uso tão massivo desse procedimento são bastante disputadas, mas a pressão da indústria da saúde é grande. Sabemos bem o que isso significa. Em artigo de 2006, Ana Cristina Fernandes e João Policarpo Lima, por exemplo, que o Pólo de Medicina do Recife estava (e não nenhum motivo para que ainda não esteja) super-dimensionado no que diz respeito à quantidade de equipamentos de que dispõe.


Em vista das dificuldades postas pelo excesso de capacidade e pelo endividamento acima do planejado, as unidades do Pólo, em geral, têm recorrido a estratégias que envolvem tanto a ocupação de espaços mais amplos, diversificando, em alguns casos, os serviços prestados, quanto a prática de concorrência predatória via, por exemplo, negociação de tabelas de preços com as operadoras de planos de saúde e estímulo, segundo alguns, a procedimentos mais diversificados de diagnóstico para gerar mais receitas, numa tentativa de transferir as dificuldades e se safar individualmente. Em outros casos, buscam também a articulação com profissionais médicos para a indicação de suas instalações para procedimentos cirúrgicos e de diagnósticos e ainda procuram atrair para seu negócio equipes médicas especializadas de competência reconhecida. Vale destacar que tais práticas terminam levando a conflitos e ao fechamento de unidades mais frágeis (Fernandes e Lima, 2006, p. 36).

É o tal efeito perverso da concorrência - o capitalismo é irracional, já dizia Marx. Se o meu concorrente tem o equipamento, eu devo ter um, mesmo que a cidade não precise. Mas se eu comprei, tenho que usar, tenho que pagar o investimento. Resultado: pressionam-se os médicos por mais exames. No nosso caso, a ultra-sonografia será utilizada quer a paciente necessite ou não.

O feto também se tornou objeto desse jogo de luz e sombra. Numa ultra-sonografia, por exemplo, ele tanto pode se tornar descartável (‘faça a ultra, pois se algo parecer errado, um aborto pode ser providenciado’), como um ser pleno (‘é fundamental você estabelecer um laço com o feto, e a imagem do seu desenvolvimento ajuda’). Mas aqui há muito mais por ser dito. Falemos por exemplo de Habermas, que questiona os critérios que cercam o diagnóstico genético pré-implantação e a porta que se abre para a seleção genética de seres humanos. Teremos o direito de escolher por nossos filhos e filhas algum traço de suas estruturas biológicas que, uma vez definido e materializado, não poderá ser alterado? Mas isso jogaria na lata do lixo uma série de princípios que foram ratificados depois dos anos 50 acerca de pesquisa com seres humanos (consentimento informado etc.).

Não sou muito habermasiano, acho que o filósofo é vítima dessa percepção de que há uma essência biológica na personalidade dos indivíduos – algo bem distinto daquilo que nos apresentava em sua teoria da ação comunicativa. Mas aqui é necessário fazer uma ressalva e justiça ao filósofo. Em O Futuro da Natureza Humana, Habermas diferencia casos em que há um conflito entre o direito da mulher em interromper uma gravidez indesejada e a seleção genética de um feto através do diagnóstico genético pré-implantação.

“Com a rejeição de uma gravidez indesejada, o direito da mulher à autodeterminação colide com a necessidade de proteção do embrião. No outro caso, a proteção da vida do feto entra em conflito com as considerações dos pais, que, ponderando a questão como se fosse um bem material, desejam ter um filho mas recusam a implantação se o embrião não corresponder a determinados padrões de saúde” (p. 43)

Com respeito à argumentação habermasiana, todavia, um ponto merece ser destacado: a cultura ocidental se acostumou a pensar na condição biológica dos indivíduos como um elemento fundamental de sua estruturação como ser social. Muito do que se tem dito acerca dos impactos da biologia molecular, da nova genética, na vida cotidiana afirma como truísmo que a condição biológica define relações de parentesco, posição na família, habilidades de gênero (como ter uma capacidade para o cálculo matemático ou não). Mas essa constatação pertence ao terreno da cultura, da cultura ocidental e moderna, e não é uma determinação ontológica. A relação parentesco-estrutura biológica, por exemplo, é uma construção social.

O feto é objeto ainda das discussões acerca de realizarmos ou não pesquisa com células-tronco embrionárias, ou seja, com embriões com até quatorze dias de vida. O potencial do ser humano já está definido em sua planta genética? Então, a concepção é o momento de humanização. Se ele só passa a ser humano quando sua estrutura nervosa básica se forma, isso só ocorreria depois desse período. Sarah Franklin argumenta, ao meu ver muito acertadamente, que a questão ‘quando um ser humano se forma?’ esconde uma outra: ‘como?’ Há de existir um útero disponível, uma mãe. Por si só o óvulo não se desenvolve. Mas a própria idéia de maternidade passa a ser um espaço bastante desnaturalizado diante de novas possibilidades técnicas. Cito mais dois casos. Marilyn Strathern chama atenção para aquilo que ela chama “nascimentos virgens” sendo procurados nas clínicas de fertilização. “Essas eram mulheres que declararam não ter tido e não desejar ter relações sexuais” (p. 10, In Edwards et al.). Lucila Scavone (in Ferreira et al.) comenta o texto de Strathern nos seguintes termos: há possibilidade de que um filho nasça sem pai.

O segundo caso é o seguinte: em um conhecido programa de televisão americano foi anunciado um processo de gestação inusitado, o pai em questão estava grávido. Thomas Betie, originalmente nascido mulher, submeteu-se a um processo de transgenitalização, mas resolveu preservar os órgãos reprodutivos femininos. Casado, resolveu engravidar. Encerro esse trecho de minha comunicação com a notícia, tal como apareceu num canal de TV americano. Se o(a) leitor(a) desejar, poderá acompanhar a acalorada discussão envolvendo esse caso limite clicando nas opções que o Youtube fornece de outros vídeos relacionados ao tema.

(continua)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Novas tecnologias reprodutivas e a desnaturalização dos espaços de gênero - p 2



(continuação)

Elaboremos um pouco mais nosso argumento. Pouparei vocês de uma literatura que deve ser de conhecimento geral e que tratou de uma forma pioneira do tema desta comunicação, ou seja, da importância das novas tecnologias na problematização dos espaços de gênero. Refiro-me ao Manifesto Ciborgue de Donnah Haraway, de sua reivindicação que a velha estória do papai e mamãe que cerca os processos reprodutivos tende a ser desmantelada pela mediação, pela opacidade da tecnologia, pelo fato de a fantasia de um corpo natural já não poder ser sustentada. Não irei adiante porque, como vocês, não agüento mais ouvir falar deste texto após uma década orientando monografias, dissertações versando de algum modo sobre cultura tecnológica. Parece-me que o Manifesto Ciborgue foi uma parada obrigatória destes meus alunos e alunas; seu otimismo, ou ironia, contagiou muitos trabalhos acadêmicos.

Mencionarei, ao invés disso, um caso que se tornou famoso no começo da década de 1990 e que pode ser ilustrativo do argumento que estamos constituindo. Em 1992, uma clínica de fertilização italiana anunciava a gravidez pós-menopausa de uma senhora de 65 anos de idade. Uma polêmica muito grande surgiu não apenas na Europa. Os ecos de uma discussão acalorada, é claro, foram ouvidos também no Brasil. “É anti-natural”, diziam alguns; “a ciência descobriu como gerar órfãos”, diziam outros; “como poderá uma mulher de 70 anos lidar com a energia de uma criança de 5”? As questões a serem respondidas são inúmeras e efetivamente espinhosas. Esse caso limite, no entanto, mostra que a reprodução humana não é meramente um fato natural, mas pressupõe competências técnicas que se tornam mais ou menos visíveis.

Mediante a liminalidade desse caso percebemos que os lugares tradicionalmente atribuídos ao feminino, mas também ao masculino, são objetos de uma intensa negociação. Sarah Franklin expõe isso de uma forma bastante interessante. A fertilização in vitro mostra que a natureza precisa de assistência: “a natureza se tornou uma autoridade mediada” (Fanklin, In Edwards et al, 1998). Já não se pode dizer muito confortavelmente o que é e o que não é natural, qual o lugar do feminino, qual o lugar do masculino. Se a competência de parteiras, ou das matronas que até o século XVIII decidiam se um homem era ou não impotente, poderia ficar na sombra, poderiam tornar-se transparente para a o pensamento falogocêntrico, a tecnociência não deve ficar.

E se alguém tem dúvidas acerca da importância que essa técnica de reprodução, isto é, a FIV tem em nossa realidade pernambucana, recifense, é bom lembrar que produzimos no último ano 900 gestações in vitro. O Recife é um dos cinco maiores pólos de FIV do país. Em artigo do Diário de Pernambuco (16/11/2008) a médica Madalena Caldas afirma que 60% das pacientes atendidas em sua clínica são mulheres com idade acima dos 38 anos.

“São mulheres que muitas vezes adiaram a gravidez e quando resolveram ter um filho sentiram dificuldades”.
Recorrerei a outros exemplos para enfatizar minha hipótese. Num livro de 1998, Charis Cussins (In Davis-Floyd e Dumit) se debruçava sobre alguns casos de fertilização in vitro que merecem nossa apreciação. Entre esses casos citarei dois, o de uma senhora que decide engravidar para satisfazer ao desejo de seu parceiro consideravelmente mais jovem. Não podendo mais produzir óvulos, ela os obtém de sua filha. Mediante FIV desses óvulos, ela pode finalmente gestar o filho biológico de sua filha e de seu companheiro. Um segundo caso é de uma mulher que se dispõe a gestar o óvulo fecundado de sua cunhada, isto é, gestar o seu próprio sobrinho. Barreiras culturais bastante sólidas (e que são facilmente associadas ao incesto) são aparentemente abaladas nesses dois casos. Mais uma vez, o que é natural e o que não é tem de ser objeto de negociação diante da opacidade de um ator: o aparato médico contemporâneo.

Esse jogo de opacidade e transparência é de fato bastante importante. A negociação do que poderia parecer incestuoso, por exemplo, passa por tornar transparentes alguns dados, para que o paciente possa viver a experiência de “ser mãe de sua própria neta” ou “mãe de sua sobrinha” - ou “pais de sua cunhada”, “tio de sua filha”. No artigo de Cussins, essas evidências embaraçosas são desvalorizadas pel@s pacientes e o aparato técnico ganha destaque.

Quem é a mãe ‘verdadeira’: a mãe biológica ou a mãe que acolhe o feto em seu útero? O pai genético, um eventual doador de sêmen, por exemplo, ou o pai que 'adota'. As respostas, mais uma vez, não são simples. No começo da década, cientistas israelenses conseguiram amadurecer células ovarianas do feto de uma ratazana e posteriormente fecundá-las. Caso curioso, portanto, de uma ninhada de ratos cuja mãe biológica nunca chegou a viver como indivíduo. Na época os cientistas comemoraram o feito por acreditarem que ele abrisse novas possibilidades para casais inférteis.

Ainda explorando esse jogo de opacidade e transparência, percebemos como os médicos são chamados a ocupar um papel de destaque que muitas vezes eles preferiam não ocupar, ou não estariam preparados para ocupar. Em algumas clínicas de fertilização in vitro, os médicos e as médicas são chmado(a)s para responder a questões do tipo: devo ter filhos com essa idade avançada? O espaço em que essa pergunta e uma eventual resposta são produzidos é um espaço biopolítico, que diz respeito a desnaturalização das questões de gênero, mas também a possibilidade de sua re-essencialização mediante algum aparato tecnocientífico. A tecnociência é portanto uma questão política central para pensarmos as novas e as antigas formas de reprodução da vida.

(continua)

domingo, 16 de novembro de 2008

A lógica do Capitalismo Global

Os chamados estudos culturais têm enfatizado a importância crescente da cultura na sociedade global, em detrimento da produção econômica. Em seus estudos recentes sobre globalização, por exemplo, Jeffrey Alexander supostamente enfatiza seu caráter multidimensional sem que o conceito de capitalismo apareça em sua análise. Há, claro, exceções: a obra de Frederic Jameson procura argumentar que o lugar privilegiado da cultura na contemporaneidade só pode ser compreendido a partir da lógica do capitalismo global.

Achei o vídeo abaixo no Blog dos Perrusi e resolvi postá-lo aqui. Ignoro a validade das afirmações factuais do vídeo, mas acho que ele consegue ilustrar a de forma simples e direta a relação entre cultura (de consumo) e capitalismo, assim como nos alertar para aquelas interpretações mais simplistas dos estudos culturais que têm proliferado na academia.

Cynthia Hamlin

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Novas tecnologias reprodutivas e a desnaturalização dos espaços de gênero - parte 1


( Helena Meireles: mulher incrível)

Jonatas Ferreira

Começaria minha participação nesta mesa redonda agradecendo Ana Paula Portella e às moças do SOS Corpo por terem me convidado para participar deste 'Seminário Biopoder e Tecnologias Reprodutivas: Uma Análise Crítica Feminista'. O convite foi mais específico, Ana Paula me falou que comporia, junto com Ana Reis, Margareth Arilha, Fabíola Rohden e Maria Lúcia Lopes, uma mesa sobre ‘Novas e Velhas Tecnologias reprodutivas: Corpo, Poder Médico e Mercado’. Resolvi aceitar honrado o desafio de retomar minhas notas de mais de cinco anos atrás sobre o tema, mesmo que minha pesquisa atual esteja mais encaminhada para a produção de novos medicamentos, tecnologias de manipulação genética e atômica da matéria, medicamentos inteligentes etc. Há dois motivos para ter aceitado: primeiro, a admiração que tenho pelo trabalho do SOS e, segundo, o fato de ter sido considerado recentemente no PPGS da UFPE como cota de gênero na composição de uma banca de seleção – o que certamente gerou algumas risadas, mas que me deixou honrado do mesmo modo. Ao que parece estou me tornando razoavelmente confiável, num certo sentido. Procurarei fazer jus à fama imerecida.

Devo, entretanto, confessar os limites de minha intervenção. Primeiro, devo lamentar o nível de abstração em que ela foi elaborada, o que devo creditar ao pouco tempo que tive para produzir essa comunicação. Gostaria de analisar e trazer mais dados empíricos, mas tenho certeza que minhas colegas de mesa farão neste ponto um melhor trabalho, dada a larga experiência e expertise que têm na área. Em segundo lugar, devo lamentar não poder tratar da forma como as tecnologias reprodutivas estão sendo apropriadas pelas camadas menos favorecidas da população - ou simplesmente no Brasil. Minha reflexão é em larga medida tributária de uma literatura européia sobre o tema.

A meu ver algo salta aos olhos com respeito ás novas tecnologias relacionadas à reprodução, tais como, a fertilização in vitro, o diagnóstico genético pré-implantação, as perspectivas de produção de órgãos, tecidos humanos pela manipulação de células-tronco embrionárias ou de clonagem. Este algo é a ‘desnaturalização’ do processo reprodutivo; uma certa indistinção entre reprodução e produção. Primeiro uma constatação evidente: essa ‘desnaturalização’ está intimamente relacionada às lutas pela emancipação feminina, à quebra do vínculo secular que havia entre atividade sexual e reprodução, certamente, e inovações nos métodos contraceptivos, como a pílula anticoncepcional, podem aqui ser mobilizados como ilustração. Sem que as mulheres pudessem reivindicar politicamente o controle de seus próprios corpos, de seu próprio prazer, de suas gestações, alguns lugares culturais ao qual o feminino esteve associado dificilmente deixariam de ser percebidos como algo natural. Fabíola Rohden, na Apresentação de seu livro Uma Ciência da Diferença, cita uma passagem de um texto de Monteiro Lobato que usaremos aqui para ilustrar nosso ponto.

“Dá a natureza dois momentos divinos à mulher: o momento da boneca –preparatório -, e o momento dos filhos – definitivo. Depois disso, está extinta
a mulher”
Durante muitos séculos o pensamento ocidental se estruturou sobre uma oposição básica entre o mundo masculino (público, previsível, civilizado, da cultura) e um mundo feminino (privado, material, imprevisível, natural). A essa forma de estruturação do saber, da cultura e do poder que privilegiam o masculino em oposição ao feminino convencionou-se chamar falogocentrismo. Um dos textos clássicos que trazem à tona os comprometimentos de gênero do pensamento ocidental (de seu fundamento francamente falogocêntrico) é o Da Geração dos Animais, pequeno texto atribuído a Aristóteles. Ali a oposição masculino-civilizador, feminino-natural já está claramente delineada. A mulher é para Aristóteles um ser liminal, um ser colocado nas fronteiras da civilização, um ser cuja principal função social (a reprodução, afirmação renovada na citação de Monteiro Lobato, reproduzida acima) a liga ao mundo natural – ligação que sempre será objeto de fascinação e temor masculinos. Por constituir um ser em contato direto com a natureza, Aristóteles argumenta, a mulher estaria mais próxima de um monstro que de um ser humano, isto é, de um homem.

Não parece coincidência que essas observações sejam desenvolvidas no espaço de uma discussão acerca da reprodução humana. Ali se afirma que a mulher é matéria, natureza fria e úmida, a ser formada pelo poder civilizador, formador, quente do sêmen masculino. Sempre que o princípio ativo, civilizador masculino não conseguia se impor sobre o mundo natural e material que comporia o feminino, Aristóteles argumenta, um desastre, um monstro há de ser parido. Essa crença pode ser encontrada na Idade Média ou no Renascimento, como o atesta uma rápida leitura do livro Monstros e outras Maravilhas, de Ambroise Paré.

Mas, que interesse específico haveria em retornar a esse texto tão antigo, texto cuja procedência, autoria, aliás, alguns contestam? Não se sabe ao certo se Da Geração dos Animais é um texto aristotélico ou não. O motivo é bastante simples. Por trás dessa naturalização do processo de reprodução humana e da outorga de um lugar específico ao feminino (um ser da natureza, um ser dos espaços privados, um ser que se deixado aos seus próprios impulsos geraria o caos) pressupõe uma série de atos de ocultação, de invizibilização – se vocês me permitam aqui esse neologismo medonho. O mundo da reprodução se apresenta como um mundo não técnico, um mundo em que o ideal cultural masculino fecunda (com sucesso ou não) sem mediação o corpo feminino. Desse universo ficou excluída a própria técnica de reprodução que envolve certamente o conhecimento acumulado de médicos, parteiras, matronas etc. E nesse universo só cabia à mulher se submeter. Na Idade Média, esse conhecimento técnico sobre o mundo natural foi objeto de perseguição da Igreja Católica, como sabemos. O que eram as bruxas senão mulheres que se arvoravam a usurpar o poder civilizador do masculino (Divino) e estabelecer um controle não subordinado sobre os processos de reprodução natural?

Voltemos ao ponto: qual o resultado desse gesto que torna o processo reprodutivo algo supostamente não mediado pela técnica? O de tornar a polarização masculino-civilizador, feminino-natural um fetiche, o de tornar em um princípio metafísico de organização da própria possibilidade de vida civilizada aquilo que deveria ser considerado um fato da cultura, um fenômeno portanto temporal e político. Essa polarização nada ingênua retira do âmbito da história uma dominação histórica, oferece de modo arbitrário uma escolha entre natureza e cultura, cuidado doméstico e trabalho produtivo, sensibilidade e razão.

Mas o que acontece quando as técnicas de reprodução tornam-se opacas, adensam-se de um modo tal que já não podem ser desprezadas – sobretudo quando a tecnociência, ou seja, a ciência transformada em atividade ‘empresarial’, legitima e capitaneia esse processo? Um espaço político concreto em que é possível questionar a essencialização do papel da mulher (e também do homem!!!) no processo reprodutivo. Evidentemente a ocupação desse espaço é objeto de lutas profundas - citemos aqui apressadamente a importância do movimento feminista na colonização desse espaço, seu depoimento, por exemplo, acerca da pesquisa com embriões humanos. Interessa-nos, todavia, focar, por alguns instantes, a importância das novas tecnologias reprodutivas na abertura de um espaço político em que a essencialização do feminino pode ser questionada.
(continua)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Without Sanctuary

Uma amiga me enviou o endereço do site "Without Sanctuary: Photographs and Postcards of Lynching in America". O tema é duro demais. Abri a página, mas não consegui ir adiante. De qualquer modo, adicionei o site aos links desse blog. Um dia desses, verei. Jonatas

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ajude a escolher o logotipo do PPGS




O PPGS da UFPE está mudando de cara. O designer Evaldo Altino desenvolveu dois estudos para o novo logotipo do Programa: o primeiro, mais clean, combinando com a capa da nossa revista (que também sofrerá alterações, mas manterá sua identidade "mondriânica"); outro, mais arrojado e, talvez, divertido. Gostaríamos de ouvir a opinião das/os fiéis leitoras/es desse Cazzo. Críticas e sugestões são muito bem-vindas.

Cynthia

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Esboço de uma pesquisa intercontinental sobre um camelo


Frédéric Vandenberghe (Professor – IUPERJ)

Um francês, um inglês e um alemão receberam a incumbência de fazer um estudo sobre o camelo.

O francês foi ao Jardim Botânico, lá passou meia hora, fez perguntas ao guarda, jogou pão para o camelo, cutucou o bicho com a ponta do guarda-chuva e, de volta à casa, escreveu para seu jornal um folhetim cheio de piadas e ditos picantes.

O inglês, levando a cesta do chá e um confortável material de acampamento, foi montar sua tenda nos países do Oriente de onde trouxe, depois de uma estada de dois ou três anos, um enorme livro cheio de fatos sem cronologia nem conclusão, mas de inegável valor documental.

Quanto ao alemão, com supremo desprezo diante da frivolidade do francês e da falta de idéias gerais do inglês, fechou-se em seu quarto para redigir uma obra em vários volumes intitulada: Idéia do camelo tirada do conceito do eu.

(Le Pèlerin, 1º de setembro de 1929, apud Ferry e Renaut, 1988)


Sabemos que um realista crítico analisaria o camelo à maneira de um filósofo alemão com tendências analíticas e místicas. Tomando a existência do animal como um fato, ele: a) analisaria transcendentalmente as condições de possibilidade da observação de qualquer camelo; b) explicaria suas ações efetivas e potenciais através da abdução, partindo dos efeitos observáveis para as causas transfactuais (mas eficazes), identificadas a tendências internas dos mecanismos gerativos; c) e, finalmente, subsumiria dialeticamente toda a pesquisa existente sobre o camelo em um sistema dialético totalizante que buscaria liberar todos os camelos, de modo a realizar o florescimento universal de todos os animais (incluindo os humanos) neste mundo (e também nos outros mundos).

Para não sobrecarregar a análise, limitemo-nos ao momento “b” e vejamos como esta análise conceitual poderia proceder:

“Suponhamos que estamos interessados em explicar (no sentido de Hempel e Hume) o comportamento de um certo indivíduo N, digamos um elefante [ou um camelo - FV]. Um conhecimento total do estado de coisas antecedente nos permitiria predizer o seu comportamento? Não – pois se N é caracterizado por uma estrutura e complexidade internas, ele pode se comportar diferentemente nas mesmas circunstâncias externas em virtude de seus diferentes estados interiores. Assim, o que acontece quando cutuco um [camelo] depende, pelo menos em parte, do estado em que ele está, e.g, se está dormindo ou não; e, portanto, nessa medida, o estado total do universo, do qual o [camelo] ocupa uma parte, será uma variável” (Bhaskar, 1975: 75).

A refutação transcendental do determinismo da regularidade pressuposto pelo modelo nomológico-dedutivo prepara o terreno para uma abordagem mais praxiológica e etológica das práticas, hábitos e costumes – em suma, do ethos – do camelo. Como um sociólogo humanista, eu buscaria inspiração na nova etologia, que, no rastro do inovador trabalho de campo de Jane Goodall, Frank Dewaal e outros primatólogos, utilizou a técnica de observação participante para revelar que os animais são dotados de sentimentos morais, como compaixão, simpatia, solidariedade e até perdão. Se Thelma Lowell pode fazer com que carneiros se pareçam com macacos, não há razão para não se assumir que os camelos não podem chorar como os elefantes.

Mas, ainda que estas reflexões meta-metodológicas sobre a etnografia humanista possam auxiliar a investigar o animal com o devido cuidado, elas não responderiam à questão mais antropológica sobre como um/a brasileiro/a faria uma pesquisa intercontinental sobre o camelo. Como gringo, eu honestamente não sei. O Brasil não é para iniciantes, como reza a famosa frase de Nelson Rodrigues. A questão é intrigante, mas, como sinto que tenho primeiramente de ir para a Índia para fazer alguma pesquisa comparativa sobre camelos e elefantes, não arriscaria uma resposta ainda. Recorro, então, aos leitores e leitoras do Cazzo: como um/a brasileiro/a faria uma pesquisa intercontinental sobre o camelo?
Algumas respostas fornecidas por ilustres colegas:
A) Jairo Nicolau (Professor – IUPERJ):

O estudo do camelo em duas versões da ciência política brasileira:
1. Do camelólogo empírico: Depois de diversas medições e aplicações do índice ICE (índice de corcovas efetivas), ele descobre que não se trata de um dromedário. O ICE do camelo = 2; do dromedário = 1; da mula = 0.
2. Do camelólogo teórico: Depois de ler tudo sobre as três tradições de estudos camélicos, sugere um curso em três módulos chamado As concepções de camelo na tradição européia: as versões francesa, inglesa e alemã.

B) José Maurício Domingues (Professor – IUPERJ):

No caso brasileiro, creio que, no espírito da paródia descrita, podemos dividir a questão em duas. Em termos conceituais, duas soluções seriam as mais prováveis: uma que se apropria do que todos os três disseram e julga os camelos brasileiros em função da medida que a ciência européia estabelece, negativamente – não temos camelos ou temos uma mistura de camelo com jegue (logo, estamos perdidos); a outra, supostamente positiva, afirmaria que não temos camelos, mas que se fizermos tudo certo um dia nossos jegues virarão camelos. Enfim, metodologicamente, acho que seria a mesma solução do francês, provavelmente sem o seu charme. Felizmente, temos muitas exceções a essa paródia, mas nem tantas como seria desejável.

C) Adalberto Cardoso (Professor – IUPERJ)

Aproveito as profundas ponderações de José Maurício Domingues para sugerir uma variante. O brasileiro esperaria as reflexões do alemão ou do francês (os ingleses não as criam, não é mesmo?), então usaria as categorias de um ou de outro para analisar o jegue como se ele fosse um camelo, concluindo que jegues são seres muito complexos e multidimensionais, quase como camelos, e que, portanto, a camelagem (ou camelidade) é múltipla. E isso sem jamais se perguntar se o camelo existe realmente.

D) Gláucio Ary Dillon Soares (Professor – IUPERJ)

Um pesquisador brasileiro entra na Internet; verifica onde há camelos; acidentalmente, descobre que também existem dromedários, escreve um projeto sobre o racismo de duas corcovas, apresenta à CAPES, recebe o auxílio, vai para Paris, onde escreve um relatório pós-moderno sem nunca ter visto um camelo ou um dromedário.

P.S: O relatório é aprovado.

E) Thamy Pogrebinschi (Professora – IUPERJ)

O pesquisador brasileiro vestiria uma bermuda, calçaria um par colorido de sandálias havaianas, iria para o boteco da esquina, pediria um chope bem gelado e começaria a batucar na mesa um sambinha: “um camelo, ôô, é um pouquinho de Brasil, iaiá...”.

F) Luiz Antônio Machado (Professor – IUPERJ)

O brasileiro tomou conhecimento da variedade de estudos sobre o camelo quando estava realizando seu pós-doutorado em uma universidade islandesa. Durante a conferência que foi convidado a fazer pelo colega sueco que dirigia o Instituto da Latinidade, resolveu aproveitar o tema, que estava na ordem do dia. Referiu-se ironicamente ao etnocentrismo característico de todas as variantes sociológicas do imperialismo, lembrando inclusive o cavalo de batalha – sem trocadilho, ele disse – que Geertz havia feito com a tartaruga do mito primitivo, objeto de sua descrição densa. Como alternativa, propôs uma nova leitura, multicultural porém de viés econômico, para o estudo dos animais.

Nosso conferencista foi muito aplaudido pelos estudantes (maciçamente coreanos) por sua demonstração de que a periferia nada tem a ver com quadrúpedes. Ele provou que o animal que deveria ter recebido a atenção dos estudiosos, por ser representativo da realidade das formações sociais periféricas – cauteloso, sugeriu que, em um primeiro momento, restringia-se às de língua portuguesa –, é bípede: a galinha (na variante de granja, não d’angola, apesar da proximidade entre as duas). Verdade que houve alguma crítica, especialmente centrada na hipótese de a galinha de granja ser mera derivação da autêntica galinha d’angola, desvirtuada pelo processo de acumulação que a absorveu e massificou. Saliente-se que esboçou-se uma discussão lateral, a partir da afirmação de Marx de que a chave da anatomia do macaco é a anatomia do homem. Quanto ao homem, não havia dúvida sobre ser bípede; já o macaco, se não fosse bípede, desmontaria toda a argumentação, e não havia acordo quanto à sua classificação. Mas esta linha de debate foi abandonada, salvo por um ou outro recalcitrante, dada a convicção generalizada de que o marxismo está, ou deveria estar, enterrado.
O sucesso da conferência foi tal que o brasileiro viu-se praticamente forçado a propor um grupo de trabalho internacional sobre a relação entre os animais e as transformações culturais no capitalismo globalizado. E tem sido insistentemente sondado para candidatar-se a presidente da Associação Internacional de Sociologia. Com a modéstia e o desapego que o caracterizam, tem dito um constrangido “sim” a todos os que o procuram para isso. Parece que já há quem esteja repensando toda a teoria sócio-animalesca de modo a incorporar, em uma perspectiva de conjunto, as duas pernas decepadas. Dada a gravidade da questão, acho indispensável avaliar a oportunidade dessas modificações.

G) César Guimarães (Professor – IUPERJ)

Nos dias que correm, pesquisadores brasileiros haveriam de preferir pesquisas aplicadas, com recursos da agência financiadora pertinente: “o uso do camelo nas secas nordestinas”; “o cultivo familiar de camelos na produção de renda e de cidadania”; “Os camelos também choram? – a corrupção política na administração dos camelódromos” – nesse caso, trata-se de uma tese de doutorado, cuja originalidade já se anuncia no título. Finalmente, no que se poderia chamar um veio mais construtivo, teríamos “A produção social do camelo e a sociabilidade humana nos zoológicos brasileiros – um estudo comparado”!

H) Gabriel Peters (Doutorando – IUPERJ)

O pesquisador Fulano da Silva procedeu a uma exegese minuciosa do clássico "Idéia do camelo tirada do conceito do eu", bem como da ampla bibliografia gerada pelo animado debate acerca dessa obra na academia alemã. Impressionado com a sofisticação filosófica dos camelólogos germânicos, tão distante do empirismo superficial anglo-saxão quanto da pseudo-profundidade afetada da lítero-filosofia francesa, Fulano lamentou a falta de familiaridade dos pesquisadores brasileiros com Kant e Hegel (para não falar em Platão e Aristóteles) e, ao final de seu esforço exegético, publicou "A teoria crítica do camelo", obra em que apresentava fielmente as controvérsias em torno do status ontológico de suas corcovas e das condições para a emancipação camelina.

Beltrana de Souza reconhecia a importância da contribuição alemã às ciências camelológicas, mas julgava que faltava aos alemães a vitalidade retórica, a imaginação heurística e a ousadia crítica dos franceses. Inaugurando toda uma vertente de camelologia francófila no Brasil, ela publica "A estrutura e a corcova: o descentramento do camelo no pensamento francês contemporâneo".
Sicrano Pereira lamentava profundamente que os estudos camelológicos tupiniquins, ao invés de emularem o saudável compromisso anglo-saxão com a minúcia observacional e a clareza discursiva, permanecessem atravancados pelas verborrágicas filosofices "continentais" (ele nunca havia lido Derrida, mas estava certo de que o sujeito [sic] era um charlatão). Tendo até considerado inicialmente a possibilidade de empreender uma investigação dos poucos exemplares da espécie no Brasil, ele prefere redigir a defesa de um "neo-empirismo esclarecido" em um livro intitulado "Você o que está observando?".

Finalmente, Trajana Ribeiro, após uma mirada panorâmica sobre toda essa produção camelológica brasileira, fica abismada com nosso parasitismo em relação ao velho mundo e põe-se a escrever "Camelos fora do lugar: o complexo de inferioridade intelectual terceiro-mundista na camelologia".

Referências

Bhaskar, R. (1975/8). A Realist Theory of Science. Brighton: Harvester Press. [Bhaskar, R. (2000). Uma teoria realista da ciência. Trad. de Rodrigo Leitão, Niterói: UFF, 2000]

domingo, 2 de novembro de 2008

Merchandising!!!


"Ciência e Democracia"

Data: amanhã!, 03 de novembro
Horário: 15:30 h.
Local: Sala de Seminários do PPGS, CFCH 12 andar.

Trata-se de uma mesa, parte da programação do Pré-ALAS Recife e reunirá os professores

* Paulo Roberto Martins (Pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo )
* Oscar Malta (Professor do Departamento de Química da UFPE e especialistas em Nanotecnologia) e
* Jonatas Ferreira (PPGS - UFPE).

Aguardo vocês por lá.

Jonatas