domingo, 28 de fevereiro de 2010

As representações de homens e mulheres em publicidades televisivas de cerveja a partir do humor



O artigo abaixo é um resumo de minha monografia de conclusão de curso, defendida no Departamento de Ciências Sociais da UFPE em dezembro de 2009, sob a orientação de Cynthia Hamlin.

Stéphanie Gomes

É notável a presença de mulheres e o uso de uma linguagem humorística como elemento persuasivo em publicidades de cerveja, que tem nos homens seu público alvo. Diversos publicitários e teóricos da comunicação (cf. Wasserman), consideram que o humor traz apelos agradáveis ao espectador, que diante do sentimento de prazer e relaxamento, há a criação de um vínculo afetivo positivo entre o produto e o potencial cliente. Mas não existe consenso na eficácia do uso do humor como elemento persuasivo. Sternthal e Craig (apud Wasserman, 2009) acreditam que as mensagens cômicas atraem a atenção do público, entretanto podem dificultar a interpretação do conteúdo que se quer passar. Além disso, nenhuma pesquisa comprovou maior convencimento por parte de mensagens humorísticas em detrimento das “sérias”. Apesar destas incertezas, o humor é utilizado na expectativa de gerar o prazer no receptor de sua mensagem, que, uma vez agraciado, buscará recompensar o produtor de seu “bem-estar”.

Independentemente do tipo de linguagem, sabe-se que as publicidades produzem discursos que colaboram para o estabelecimento, sustentação ou mudança de valores nas interações sociais. Diante disso, este trabalho teve como foco as seguintes questões: como a linguagem humorística é utilizada na publicidade televisiva de cerveja no que tange à representação de homens e mulheres e quais as consequências desse uso para as desigualdades de gênero?

A fim de tentar respondê-las, efetuei uma análise de conteúdo de 129 propagandas de cerveja, datadas a partir de 1996. Esta análise me possibilitou identificar alguns padrões gerais relativos à forma como homens e mulheres eram representados com base em indicadores retirados das principais teorias de humor e de gênero. Posteriormente, selecionei 5 publicidades que considerei mais representativas do grupo em questão e as submeti à análise de um grupo focal para tentar compreender a recepção dos espectadores em relação aos papéis de gênero e ao que consideravam como engraçado.

De acordo com as principais teorias de humor e de gênero utilizadas, minha hipótese principal era a de que as propagandas de cerveja reproduziam a posição de subordinação das mulheres por meio de três mecanismos principais: em primeiro lugar, ao retratá-las como simples objetos de desejo masculino, especialmente devido ao foco no corpo e na sexualidade femininas; em segundo lugar, ao transformar as mulheres em caricaturas risíveis; por fim, a linguagem humorística tornava esta mensagem mais fácil de ser aceita.

Surpreendentemente, a análise do material empírico demonstrou que, ao contrário do que minhas teorias levavam a crer, as mulheres não constituíam o alvo principal do humor, mas sim os homens que não se adequavam às concepções dominantes de masculinidade. Por outro lado, do ponto de vista da representação da feminilidade, o humor tornava a reificação das mulheres mais fácil de ser digerida. Em outras palavras, embora não se deboche das mulheres, o humor ajuda a reafirmar os papéis de gênero e a amaciar o conteúdo do que é proferido. A seguir, farei uma breve exposição das teorias que me levaram à formulação de minha hipótese e à análise do material empírico selecionado.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Recife Era Uma Festa



Fernando da Mota Lima

A partir de meados dos anos 1970, muita gente com quem convivia caiu numa grande festa nas noites de Recife. Vínhamos todos, ou quase, da esquerda política que era a tônica nos círculos da classe média universitária. Penso que dois fatores decisivos concorreram para a emergência dessa inflexão cultural: a ditadura militar e a simultânea irrupção da cultura narcisista. Esta mereceu de Christopher Lasch um estudo fundamental das ciências sociais contemporâneas: A Cultura do Narcisismo, pouco adiante desdobrado num livro igualmente fundamental: O Eu Mínimo, entre nós traduzido como O Mínimo Eu. A ditadura suprimiu do horizonte da nossa vida durante os anos de chumbo, momento que aqui considero, qualquer possibilidade de atuação política legal. Essa supressão também concorreu, sem que o notássemos, para que nossa energia pulsional fosse canalizada para a grande explosão dos costumes ocorrida nos anos 1970. Aludi um pouco a esse fenômeno em tom de memória num outro texto postado no meu blog (ver Olinda Era uma Festa). Considero agora uma dimensão paralela do mesmo fenômeno, só que restrito à atmosfera festiva do Recife.

Uma fração minoritária da esquerda com a qual convivia refugiou-se em fantasias revolucionárias insolúveis. Impotente diante da repressão política dissimulada ou patente em todo o círculo em que nos movíamos, inteiriçou-se numa percepção intolerante e fantasiosa da realidade. A pretexto de resistir à opressão, fechou-se num círculo inacessível a tudo que fosse ou parecesse valor ou mentalidade burguesa. Diria antes de tudo pequeno-burguesa, pois os atores desse círculo eram sintomaticamente egressos dela. Daí seu ressentimento social orientado antes de tudo contra a própria classe de origem. Que eu saiba, ninguém concedeu ainda o peso analítico devido a uma categoria psicológica essencial à compreensão dos grupos revolucionários e pseudorrevolucionários: a categoria do ressentimento social. Trocando em miúdos, muitos dos rugidos de ódio revolucionário que corriqueiramente ouvia nas livrarias Dom Quixote e Livro 7, sobretudo nas mesas de bar exclusivas das seitas pseudorrevolucionárias da época, não passavam de ressentimento social. Em nome de um ideal louvável, a luta contra a opressão de classe, liberamos nosso ódio contra tudo o que não temos e invejamos. Vejam onde acabaram tantos revolucionários depois bandeados para o PT. Vejam o oportunismo e a cafajestice de esquerda hoje fartamente recompensada com dinheiro público usado nos processos de anistia.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

homo lattes



Aos leitores e leitoras do blog, minhas mais sinceras desculpas pelo pensamento obssessivo. Devo ter bebido gás.

Uma hora eu supero.

Cynthia

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Terminar a Ditadura


Monumento Tortura Nunca Mais, Rua da Aurora, Recife. Projeto de autoria de Eric Perman, Albérico Paes Barreto, Luiz Augusto Rangel e Demetrio Albuquerque.

Luciano Oliveira (Professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE)

Para Celma Tavares, Roberto Efrem Filho, José Luiz Delgado e Silke Weber
pelas concordâncias, mas também pelas eventuais discordâncias.


A ditadura brasileira, que começou como “revolução”, mudou para “regime militar” e agora é tratada pelo nome que verdadeiramente lhe cabe, continua, como uma alma penada, assombrando a vida política do país. Basta ver o que acontece agora com III Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e toda a celeuma que têm provocado os dispositivos relativos à memória dos anos de chumbo no que eles têm de mais explosivo: os crimes cometidos pelos torturadores e o destino dos desaparecidos. Produzido a partir de seminários realizados em todo o país com forte participação das chamadas ONGs - Organizações não Governamentais, o Plano reflete razoavelmente o clima de militância que percorre esses eventos, nos quais palavras de ordem costumam receber adesões muitas vezes automáticas e, assim, deslizam sem maiores ponderações para as propostas finais. Ao serem chanceladas pela Presidência da República e se tornarem políticas de governo, podem levantar questões que a sociedade como um todo tem legitimidade para discutir. É o que faço.

No caso, o que me interessa é a questão das violações de direitos humanos durante o regime militar e o tratamento que o Plano propõe para esse candente assunto. Nesse itinerário, porém, expandirei o arco de minhas reflexões para ir além do Plano, até porque considero que ele é apenas mais um capítulo no embate que desde o fim dos anos de chumbo tem sido travado entre os militares e o que eles chamam de “revanchistas” - muitas vezes simples mães querendo saber onde prantear um filho desaparecido, repetindo com isso o gesto de Antígona há mais de dois mil anos, ao desafiar a ordem da Polis para dar uma sepultura a seu irmão. Mas, ao contrário do que pode sugerir a observação acima acerca dos esqueletos ainda trancados no armário do regime, já não partilho uma visão maniqueísta desse assunto. Passados 25 anos da entrega do poder aos civis, é mais do que tempo de tratarmos a ditadura militar como um objeto irremovível da nossa história. Isso está a exigir uma atitude mais objetiva e serena, e menos militante, dos que se dispõem a pensá-la. Que há exigências inafastáveis, há. O destino dos desaparecidos é a mais importante delas. Isso dito, entretanto, creio que “o direito à verdade histórica” - para usar os termos do Plano - precisa considerar, e não ter medo de enfrentá-los, certos fatos daqueles anos turvos que a nossa boa consciência de derrotados na “guerra suja” prefere esquecer, bem como rever certos mitos envolvendo a luta armada que se tornaram lugares comuns e que, talvez por receio de sermos confundidos com certos órgãos da grande imprensa aplicados na arte do desprezo a tudo que cheire a esquerda - a Veja com sua arrogância habitual é um bom exemplo disso -, não ousamos questionar. Precisamos fazê-lo para, como quer o Plano, “promover a reconciliação nacional”. O que se segue é uma pequena contribuição nesse sentido.

Relembrando rapidamente, o que irritou particularmente os militares foi a Diretriz 23 do Plano, que previa “a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil”. Como sempre, a queixa castrense reporta-se ao que seria a parcialidade do documento. No Brasil teria havido uma guerra, com vítimas dos dois lados. E se um lado praticou a tortura, o outro praticou terrorismo, assaltos, seqüestros etc. Nesse caso, por que a “apuração” apenas do que fez um dos lados? Depois da celeuma provocada pela reação de alto coturno, o presidente Lula assinou decreto mudando a redação: eliminou-se a menção ao “contexto da repressão política” e ficou a previsão genérica de “examinar as violações de direitos humanos praticadas no período”. Com isso, fica aberta a possibilidade de se esclarecerem também os atos praticados pela esquerda armada, que seriam igualmente violações de direitos humanos. A emenda não resolve o soneto.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Chimamanda Adichie: o perigo de uma única história

(Para visualizar a legenda em português, clique em "view subtitles")

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

MUSICAL ATTENTION DEFICIT DISORDER


Em 2004, Hell's Bells, do AC/DC, foi tocado repetidamente pela divisão de Operações Psicológicas das Forças Armadas Americanas a fim de preparar os soldados para a invasão de Fallujah, no Iraque.

Yale Fox (DJ, Presidente do Fragglerock DJ's e autor do blog Darwin vs The Machine)
Robert Brym (professor titular da Universidade de Toronto que se tornou mundialmente famoso ao publicar com Cynthia Hamlin)


Researchers have long known that music influences behavior. Food courts chase away loitering mall rats by piping in classical music. Teen boutiques boost sales by playing uptempo tunes. American troops blared hard rock for 15 days in 1989 to encourage Panamanian president Manuel Norriega’s surrender, and the 361st PsyOps company repeatedly blasted AC/DC’s ear-shattering “Hell’s Bells” and “Shoot to Thrill” to prepare the battlefield for the 2004 assault on Fallujah. According to the BBC, playing Barney the Dinosaur’s “I Love You” at high volume in shipping containers facilitates the interrogation of Iraqi detainees.

Similarly, for at least a decade, nightclub owners have been urging disc jockeys to mix uptempo songs quickly. They sense what researchers at Heriot-Watt University in Edinburgh have demonstrated: a rapid beat and fast mixing shorten perception of the passage of time because high-speed music requires listeners to process more information per second than slow music does. One consequence of sped-up time perception is that club patrons order more alcoholic drinks.

Another consequence of this strategy is the spread of Musical Attention Deficit Disorder (MADD) among people between their mid-teens and late 20s. Adopting the methodology of DSM-IV, the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders of the American Psychiatric Association, we may associate MADD with one or more trait in each of the following categories:

INATTENTION/ HYPERACTIVITY-IMPULSIVITY

1. Inability to listen to an entire song (average duration: about 3 minutes) without becoming distracted.
2. Frequent use of MP3 and CD players to skim songs, listening to each for less than a minute.


MULTITASKING/HYPERTASKING

3. Ability to perform multiple tasks (for example, writing an essay and watching TV) simultaneously.
4. Ability to perform tasks, especially those involving computers and the mass media, at a significantly faster pace than members of older generations can.

Young people are especially prone to MADD for neurological reasons. Aging is associated with a declining number of neurotransmitters and degradation in motor neuron functions. Consequently, as we age, our reaction time decreases, our short-term memory weakens and our attention span increases. A 15-year-old’s routine tasks – checking e-mail, channel surfing, instant messaging – often seem bewildering to her parents, who are neurologically incapable of processing what appear to them to be lightning-fast events.

In recent years, sociological and cultural factors have widened the generational gap in processing time and ability to multitask. For example, 30 years of research by the Children’s Television Workshop suggests that shows like Sesame Street condition children to regard brevity as normality. Attention span shortens apace.

At the same time, adults increasingly program their offspring with a slew of activities, apparently believing that free time encourages sloth while being constantly preoccupied with music, dance, computer and other lessons produces high achievers. Increasingly, children become anxious when they are not busy doing something – or many things at once.

A fast-paced media- and technology-rich environment affords plenty of opportunities to multitask. Most North American homes have at least one computer connected to the Internet. Children and adolescents routinely type essays while listening to music, interspersing bursts of composition with multiple IM conversations and Facebook visits.

By the time adolescents become young adults, nightclubs are ready to reinforce patterns of behavior conditioned since toddlerhood. As patrons dance, sing, make first impressions and seek partners, they take attention-shortening drugs such as alcohol, cocaine and ecstasy. Arguably, nightclubs are the most high-intensity, fast-paced social settings on the planet.

Popular music is formatted in a way that encourages MADD. Club tracks typically have eight bars of intro music followed by a hook or chorus – the catchiest part of the song and the part that is easiest to sing along with. Then comes the first verse, followed by the chorus. The next song is mixed in immediately after the chorus. As Aaron Waisglass, CEO of Tremendous Records and a top international DJ, notes, DJs playing for a young crowd need to mix quickly to maintain a tight dance floor and excite people. In contrast, quick mixing represents information overload for an older crowd, which quickly becomes irritated unless the DJ plays songs in their entirety.

The DJ has always been an important influence on popular music. Today, most of the top DJs use a hardware/software combination known as Serato, a digital vinyl emulation that allows DJs to play MP3 files as if they were vinyl. They use Serato to mix songs more quickly than was previously possible. DJs don’t have to pick up a record, put it in a sleeve, find the next record, cue it, beatmatch and mix out. Serato allows DJs to choose the next song and find a cuepoint almost instantaneously. In the disco era, sixteen bar intros were common, so it was easier for DJs to beatmatch. More of each song was played, partly because DJs needed time to mix the next song, partly because young people were less affected by the evolution of rapid information processing.

Evidence suggests that Attention Deficit Disorder (ADD) is on the rise. The World Health Organization estimates that 3-5 percent of adults now suffer from the ailment worldwide. Significantly, rich countries have a higher incidence of ADD than other countries. And it is precisely in such countries that MADD is also on the upswing. The reason is clear. Although built on neurological foundations that have always separated younger from older generations, MADD has been nurtured by changes in childrearing, mass media and music industry practices that pervade countries that are saturated by the mass media and digital technology.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Eu Estava Errado!



Por Luciano Oliveira
Professor da UFPE
E-mail: jlgo@hotlink.com.br


Eu estava errado! E estou feliz, euforicamente feliz, por ter estado errado! Estava errado quando aqui nesta mesma coluna, semanas atrás, a propósito dos escândalos de Brasília envolvendo o governador e seus trastes, escrevi que era preciso romper a lengalenga de conclamações por rigorosas punições “porque todos no país, eles em primeiro lugar, sabem que elas não virão.” Pois bem: elas começaram a vir. Escrevendo numa sexta-feira de Carnaval do ano da graça de 2010, regozijo-me com a notícia de que o governador Roberto Arruda, preso ontem, vai pelo menos passar a festa do Rei Momo na cadeia, porque o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Marco Aurélio Melo, acaba de negar o pedido de habeas-corpus impetrado em seu favor. Évoé, Baco!, como diria Manuel Bandeira. Eu, de meu lado, direi mais tarde no primeiro bar em que entrar nesses dias de folia: “Garçom!”

Não sei quanto tempo José Roberto Arruda vai ficar preso. Provavelmente não será muito. Detido preventivamente para não atrapalhar o andamento do inquérito (leia-se: subornar testemunhas), será solto assim que sua liberdade já não atravancar o lento e solene andamento da justiça. De resto, é consenso geral hoje em dia que a pena de prisão, salvo em casos de periculosidade do bandido, é um absurdo sem pé nem cabeça. Eis aí uma questão sociologicamente importante nesse tipo de crime, chamado de “colarinho branco”: os criminosos são pessoas de unhas limpas, têm todos os dentes e exalam lavanda. Numa palavra, não são periculosos! Isto é: nós não temos medo deles. Diferentemente de um miserável “cheira-cola” que pode ameaçar com uma faca por causa de um celular de 50 reais, esses sujeitos que desviam milhões não alteram nosso comportamento. Não é por causa deles que eletrificamos a casa ou colocamos filtros escuros no carro. E assim eles não causam aquela indignação capaz de produzir linchamentos.

É injusto? É. Mas, ainda pensando sociologicamente, é assim que as coisas são. Esses políticos corruptos são, virtualmente, assassinos repugnantes, porque o dinheiro público que põem no bolso pode ser exatamente aquele que vai faltar na periferia, lá onde a vacina não chega por falta de recursos no orçamento. Mas isso é uma abstração. Na prática, somos incapazes de saber quem exatamente morreu porque o dinheiro faltou no posto de saúde. Diferentemente disso, somos capazes de sentir ódio quando nossa filha, trêmula e apavorada, nos liga para dizer que acabou de ser assaltada num ponto de ônibus por um pé-de-chinelo... É injusto? É. Mas é humano, demasiadamente humano.

Não ficarei com medo quando José Roberto Arruda for solto, a verdade é essa. Se nada de mais acontecer, se o processo se arrastar por anos a fio sem uma condenação, ficarei apenas desolado. Mas que condenação? Na verdade sempre achei que um caso de corrupção deve ser punido com confisco de bens. Chego até a imaginar, para meu deleite, um Paulo Maluf sendo condenado a viver num exíguo apartamento do Projeto Cingapura de autoria dele mesmo quando era governador de São Paulo: sala, dois quartos, cozinha e banheiro. Só. No caso dele, uma deliciosa pena adicional: telhado de Eucatex!

O tom de brincadeira não deve fazer esquecer que estamos vivendo o que pode ser um momento histórico. Normalmente não sou pomposo, mas não posso evitar o tom. Afinal, pela primeira vez na história brasileira, um governador de estado recebe o famoso “teje preso!” por atividades que num passado não muito distante eram capazes de forjar slogans cínicos do tipo “rouba, mas faz!” Segundo noticia a imprensa, o governador de Brasília está revoltado com a injustiça que se abateu sobre si. Afinal, no país do roubo da coisa pública e da impunidade escancarada, por que tudo isso logo com ele? A resposta é simples: porque há sempre um primeiro a pagar o pato. Em termos históricos, isso se chama ruptura; em termos jurídicos, precedente. É a partir daí que se firma uma jurisprudência, que vai daí em diante influir em outros casos. Oxalá tenhamos chegado a esse patamar! É com essa esperança que mais tarde, talvez no mesmo bar, eu grite: “Garçom, desce outra!”