"Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate": Isso é um blog de teoria e de metodologia das ciências sociais
quinta-feira, 17 de abril de 2008
A Ironia Musical de Erik Satie
Erik Satie (1866-1925)
Satie é um dos poucos compositores que não se encaixa em um estilo musical definido. Iconoclasta, morreu na miséria e sua ironia pode ser comparada à arte pop de Andy Wahrol, talvez sem o "pop" e mais radical, dado que anterior à influência dos meios de comunicação de massa. Freqüentemente é considerado o precursor da música minimalista, embora tenha influenciado diversos compositores impressionistas, como Claude Debussy e Maurice Ravel. Gostava de se referir à sua música como "música mobília", algo que devia ser considerado parte do ambiente no qual as pessoas se moviam. Meio esquisita a criatura. Mas absolutamente genial. Melhor conhecê-lo por ele mesmo:
O que sou
Todos lhe dirão que não sou um músico. Isto é correto. Desde o início de minha carreira eu me classifico como um fonometrógrafo. Minha obra é completamente fonométrica. Considere meu Fils des Étoiles, ou meu Morceaux en forme de Poire, meu En habit de Cheval ou meu Sarabande – é evidente que as idéias musicais não jogaram papel algum em sua composição. A ciência é o fator dominante.
Além do mais, eu gosto muito mais de medir um som do que de escutá-lo. Com o meu fonômetro na mão, trabalho alegre e confiantemente.
O que não pesei ou medi? Fiz tudo de Beethoven, tudo de Verdi etc. É fascinante.
A primeira vez que usei um fonoscópio, examinei um Si bemol de tamanho médio. Posso lhe assegurar que nunca vi algo tão revoltante. Chamei meu amigo para vê-lo.
Em minhas fono-escalas, um um fá sustenido comum obteve 93 quilos. Saiu de um tenor gordo, a quem também pesei.
Você sabe como limpar um som? É um negócio imundo. Esticá-los é mais limpo; indexá-los, uma tarefa meticulosa que demanda uma boa visão. Aqui, estamos no reino da pirofonia.
Para escrever minhas Pièces Froides, usei um gravador caleidoscópico. Levou sete minutos. Chamei meu amigo para ouví-las.
Acho que posso dizer que a fonologia é superior à música. Existe mais variedade nela. O retorno financeiro também é maior. Devo minha fortuna a ela.
Em todas as situações, com um motodinamofone, mesmo o fonometrologista mais inexperiente pode facilmente perceber mais sons do que o músico mais experiente na mesma situação, com a mesma quantidade de esforço. Foi assim que eu consegui compor tanto.
O futuro, portanto, está na filofonia.
Retirado de Erik Satie, Compositeur de Musique. Disponível em: http://www.af.lu.se/~fogwall/satie.html
Cynthia
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8 comentários:
Uma vez eu ouvi uma história de que um homem, completamente obcecado pela idéia de silêncio, tentou encontra-lo em meio a um experimento. Fechou-se numa cúpula à prova de som e se manteve lá por horas, horas. Horas de silêncio. Estava feliz por tê-lo encontrado, finalmente, quando, de súbito, passou a ouvir leves toques, como que batidas fofas na madeira: era o seu coração o que ele ouvia.
É clara a relação entre música e matemática e lógica. A combinação das possíveis notas em suas possíveis freqüencias. Dependendo do contexto harmônico ou melódico da sequência, eu mesmo consigo prever qual é o próximo acorde ou a próxima nota. Mas isso não é sempre. A música também supreende: ela, como muitas coisas da vida, transcende conceitos. E quantas vezes é justamente aquela nota, mais que previsível, que me encanta?
É possível quantificar a música, mas ela está além da técnica. Creio que um computador não poderia tocar Schubert ressignificando-o; desprendendo a aura que emana de alguém que estuda sua obra intimamente, mas a toca de coração, antes de tocá-la com a partitura. Vejo muitos musicistas que tocam com os dedos e a cabeça e não com o coração e alma. Tocam com sua arrogância e se acham superiores a Calypso e companhia ilimitada. Pobrezinhos.
Muito legal o texto, Cynthia! ^^
Um abraço.
Hj,mnmalsmo é pop, C.
Pd obsvar
Bj.
G.
Concordo com você, Raphael: embora haja algo de previsível numa seqüência harmônica ou melódica, frequentemente somos surpreendidos com algo não esperado. Mas essa é a característica da boa música, que sempre tem algo de ligeiramente dissonante, que surpreende e, ainda assim, "faz sentido". Acho que é esse o caso não só em relação a tudo o que merece o nome de arte, mas de qualquer atividade crítica, ou seja, que tem o potencial de deslocar significados fixos, de revelar contradições, de gerar crises e novos significados.
Agora, entre os musicistas que interpretam obras de arte com a cabeça e os dedos e o sentimentalismo da banda calypso e cia. limitada, não sei não... Nem toda emoção do mundo torna tolerável "chupa que é de uva".
Geninha,
É inegável que o experimentalismo da música minimalista teve influência em músicos como David Bowie, Iggy pop etc. Mas, como um movimento musical, o minimalismo nasce no seio da música erudita. Dá uma procurada nas coisas mais antigas de Philip Glass e em Micheal Nymann (aquele da trilha sonora de "o piano").
Bj.
Hahaha... =P é verdade, Cynthia...
Pra mim, 'chupa que é de uva' não é arte da mesma forma que villa-lobos. Talvez eu seja elitista por causa disso, né?
Tem gente que acha Calypso a verdadeir a revolução pop nacional. Eu tenho meus gostos diferentes aí. Não sei dizer. O povo de publicidade que eu conheço adora! ^^'''
Sinto que investigar o sucesso dessas bandas em relação a suas propostas e públicos e etc poderia instigar uma interessante pesquisa sociológica. =P
Pois, é, Raphael. Mas o nosso especialista em estética aqui é Jonatas e eu não entendo muito desse negócio de arte, não - sou uma mera amadora.
Mas, de um ponto de vista sociológico, o que é interessante em compositores como Satie é que ele é um dos primeiros compositores modernos: tem relação com movimentos como o impressionismo, o dadaísmo, o minimalismo e outros que constituem uma crítica à modernidade. Esse texto dele deixa muito claro a obsessão moderna com a mensuração, a cientificidade, a racionalidade. Comparado ao posmodernismo, tenho a impressão de que o modernismo é uma crítica muito mais contundente à modernidade, pelo menos em sua dimensão cultural. É o oposto da ironia vazia que caracteriza o pastiche posmoderno de que fala Jameson. De uma perspectiva epistemológica, o uso da ironia na teoria e na política reflete um aprofundamento e um deslocamento dessas questões levantadas pelo modernismo. São essas relações entre modernidade e pós-modernidade que podem ser pensadas sociologicamente e sem que, necessariamente, entremos em teoria musical.
Quem também gosta muito de Satie e é especialista em sociologia da arte é Paulo Marcondes. Se você se interessa por essas questões, talvez valha a pena cursar uma disciplina com ele ou mesmo tentar uma conversa informal. Para um projeto desse tipo ligado à publicidade, o nome é Maria Eduarda.
bom texto, principalmente porque esse compositor é um 'fantasma'
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