quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A pesquisa universitária avaliada….para o desprezo do conhecimento



Frédérique Barnier

(Frédérique Barnier é professor-pesquisador em sociologia na Université d'Orléans. Este artigo foi publicado em Le Monde, 23.11.2009 e traduzido, mediante permissão do autor, por Tâmara de Oliveira.)

Há alguns meses, na verdade desde os recentes debates sobre a reforma do estatuto dos professores-pesquisadores, um estranho vento sopra nos corredores das universidades, brandindo rumores e palavras surpreendentes para um não-iniciado, em torno de « laboratório classificado A, B ou, pior ainda, C, de revistas também classificadas A, B ou C…Os mesmos barulhos são encontrados nos debates em torno dos « pólos de excelência » da pesquisa nacional, tão necessários ao seu reestabelecimento nas classificações internacionais. O ministro, o governo e todos os adeptos de uma política de « excelência científica » podem então ficar satisfeitos. A essência do projeto de lei entrou decididamente nas cabeças de todos os professores-pesquisadores, mesmo naquelas consideradas mais duras – a dos professores-pesquisadores em ciências humanas.

Para a maioria deles, com efeito, a corrida começou : fora de publicação A (in english, please) e do colóquio (international, s’il vous plaît) não há salvação. Ironia ou paradoxo, o princípio de avaliação generalizada foi assim integrado por uma pesquisa universitária que frequentemente a criticou ferozmente e, exatamente no momento em que seus efeitos catastróficos são denunciados nas empresas. Com as classificações tipo Xangai, a pesquisa mede suas performances como uma equipe de futebol, sem comover ninguém.

Para além dos efeitos perversos já conhecidos : o reforço das desigualdades já gritantes (entre Paris e província, entre ciências « duras » e ciências humanas, entre grandes e pequenas faculdades, entre pequenos e grandes laboratórios…), a corrida iníqua às publicações, a cooptação reforçada, os efeitos de redes…, desenha-se igualmente a perspectiva de uma pesquisa « entre nós », pesquisa expressa e necessariamente brilhante, frequentemente mundana para ser de alta qualidade – mas por quanto tempo e sobretudo para fazer o que ? Desenham-se assim e sobretudo os contornos esclerosantes de uma pesquisa pré-formatada na forma, no fundo e na prática.

Na forma, primeiramente, fechando-se em torno das « boas revistas » (que infantilização, elas são designadas uma a uma, disciplina por disciplina, caso vocês não saibam reconhecê-las), contendo apenas artigos universitários calibrados, certificados e especialmente reconhecidos (para além de seu interesse e de sua qualidade frequentemente inegáveis) por sua escritura conveniente, sufocados por referências, necessariamente adubados por conselhos editoriais – que correm o risco de ficar sobrecarregados de trabalho logo, logo, enfim…os de conceito A. Se escrever, evidentemente, faz parte da pesquisa, publicar (no sentido da excelência, quer dizer « útil ») está prestes a se tornar um outro ofício…

No fundo, em seguida e sobretudo, porque uma pesquisa fecunda em ciências humanas deve melhorar o conhecimento do mundo e praticar a partilha cidadã desse conhecimento sobre temas que engajam e interessam necessariamente as pessoas em seu cotidiano (a escola, a periferia, a empresa, a violência…). O procedimento do conhecimento, como tão bem explicitou Bachelard, é o oposto dessa pesquisa de « excelência » : ela é lenta, laboriosa, difícil, cheia de acidentes de percurso. Às vezes ela deve contradizer, lutar contra idéias adquiridas, destrinchar novos campos e, em todos os casos, estar orientada para o mundo. Ela é sobretudo filha da humildade e tem muito pouco a ver com essa busca permanente de reconhecimento interno.

Na prática, enfim, que corre o risco de se tornar bastante restritiva sob esses critérios exclusivos. Escrever em tal revista (genial, mas fora da classificação) : não rentável (para minha carreira, meu HDR, meu cargo de professor…). Organizar um colóquio (oh, modesto, em minha universidade de província) : não rentável. Divulgar meus trabalhos diante de públicos cidadãos a quem eles interessam realmente (sindicalistas, pais de alunos, assalariados, associações) : não rentável…E o que dizer das atividades administrativas e de ensino…das quais se mede a indignidade (cúmulo da ironia ou da miséria) por sua ausência no sistema de avaliação !

Tudo isso já existia…vocês dirão. Sem dúvida, mas o clima atual oferece como recompensa, aos tenentes dessa falsa excelência científica e àqueles que aplicam cegamente seus princípios, a arma oficializada do desprezo – e quem sabe da ameaça.

5 comentários:

Cynthia disse...

Injustiça maior do que avaliar nossa produção como se fôssemos uma equipe de futebol, só mesmo exigir que eu, que sou daquelas que pergunta "quem é a bola", tenha que fazer o infeliz do relatório.

E para não fazer feio diante da demanda pelo inglês como língua franca do mundo acadêmico, meu único comentário possível e com toda a elegância de que sou capaz nesse momento: F***ing Hell!

Anônimo disse...

Também acho uma injustiça, Cynthia. Principalmente porque em seu programa de po's-graduação parece que ha' muita gente que entende de futebol.
O texto de Barnier é mais de tomada de posição do que anali'tico - normal, foi escrito para um jornal. Aprecio bastante a si'ntese que ela faz de uma angu'stia que não é apenas pessoal nem singular à França. Recentemente, pedi desligamento do programa de po's da UFS por razões também extra-acadêmicas, mas aproveitei a ocasião para redigir um ofi'cio onde coloco que os problemas ba'sicos da sensibilidade produtivista que parece ser vivida por muitos como fatalidade intransponi'vel, são também uma das razões pelas quais preciso dar um tempo. Um colega da UFPA pediu-me o ofi'cio e o distribuiu entre os colegas. Pois não é que teve mais repercussão do que na UFS? Não é surpreendente, dos grandes profetas das religiões da revelação, apenas Maomé fez sucesso ra'pido em sua pro'pria terra. Quem sabe eu ainda não vire um novo Cristo? Dispensando a crucificação, é claro; queria ser um Cristo bem sucedido, morto de velhice. Falando sério, nas respostas que o meu colega coletou e enviou pra mim, ha' dois componentes comuns: a angu'stia de um trabalho cada vez mais vivido como pressão do tempo e produtividade quantificada e, o medo de não suportar por muito tempo esse ritmo. Elementos estes que são encontrados também em cartas de suicidas do mundo do trabalho contemporâneo não acadêmico (cujo nu'mero tem crescido muito na França, por exemplo). Penso até (com outra colega e ex-aluna) em fazer uma pesquisa a respeito disso nas pro'prias universidades, qualquer coisa que trabalhe a experiência e as representações sociais dos universita'rios sobre a organização do trabalho cienti'fico. Um abraço, Tâmara

Cynthia disse...

Puxa, Tâmara, grande perda para o PPGS da UFS. Mas esse ritmo associado à cobrança pela produtividade, aliado ao trabalho burocrático (que eu acho que é a pior faceta desse fenômeno,)é muito frustrante mesmo. Mas tem hora que a gente tem que ligar o piloto automático e seguir em frente: tem muita coisa em jogo.

Manda esse ofício para o meu email?

Beijo

Anônimo disse...

Cynthia,
Obrigada pelo elogio, mas não é uma grande perda para o programa, não, porque no momento eu não estou realmente podendo dar conta do trabalho - independentemente da bibliometria e similares. Ou seja, minha situação é particular e eu sempre digo aos meus colegas que, aqueles que andam inquietos com a bibliometria mas podem continuar, devem fazê-lo; permanecer é o u'nico meio para mexer em alguma coisa, para tentar (re)colocar a avaliação do conhecimento cienti'fico em trilhos menos absurdos. E eu não estou pensando em abandonar tudo; estou apenas recuando, aproveitando um tempo para concluir uma pesquisa e tentar escrever um livro, etc. Eu volto ao mundo acadêmico; não sei mais se para o programa onde estava, mas volto!
Mando sim, meu ofi'cio para seu e-mail. Abração, Tâmara

João Paulo Rodrigues disse...

Que droga que descobri este blog há pouco!
Texto muito bom, embora devamos tomá-lo com cuidado. A denúncia do exagero e da distorção, sobretudo para nós das humanas, é bem vinda. Mas o que devemos fazer é propor algo, em vez se sempre jogar na defensiva.
Se bem que, no caso do Brasil, acho que até estamos melhor que muitos países. As hard sciences (ainda?) não passaram por cima de nós.