domingo, 25 de abril de 2010

O “experimento” de Bobby McFerrin: Associações, expectativas e observação empírica

Cynthia Hamlin

Semana passada, no curso de teoria social realista que estou ministrando na Pós-Graduação, discutimos a relação entre teoria e observação, de uma perspectiva realista. O cerne da discussão é que, embora exista uma separação entre aquilo que observamos (os fenômenos e eventos do mundo) e o que pensamos acerca deles (nossas teorias, conceitos etc), não se pode efetuar uma distinção muito rígida entre essas duas coisas, pois nossa relação com o mundo é sempre mediada. Isso é outra forma de dizer que a mente humana tem um papel ativo na nossa experiência: ao contrário do que afirmavam os empiristas, nossa percepção não ocorre independentemente de nossas teorias ou, de forma mais ampla, de nossos conteúdos mentais. Até aí, tudo bem, afinal de contas, qualquer aluno de graduação é capaz de citar Popper e dizer que nossas observações são teoricamente embasadas ou, num grau de sofisticação um pouco mais elevado, de recorrer à ideia de Bachelard de que o fato não é simplesmente dado, mas (deve ser) construído. A coisa começa a complicar um pouco mais quando a relação é questionada no sentido contrário, isto é, quando se questiona a influência da observação empírica nos nossos conceitos e teorias.

Se, por um lado, nossas teorias informam nossas observações, as teorias também não podem ser reduzidas a coleções de observações de um mesmo tipo de fenômeno ou evento indutivamente generalizados. De uma perspectiva realista, elas não podem nem mesmo ser reduzidas a uma combinação de observações e de deduções lógicas a partir de princípios gerais (autoevidentes ou indutivamente generalizados), como querem os defensores de uma combinação do indutivismo empirista e do dedutivismo racionalista. Existe um outro processo envolvido na construção de conceitos e de teorias, e que também afeta nossas observações e experiências, que se baseia naquilo que Charles Peirce chamou de abdução ou retrodução. Para meus propósitos aqui, eu poderia definir a retrodução como a compreensão de algo desconhecido por meio da comparação (geralmente metafórica ou analógica) com algo já conhecido. A coisa funciona mais ou menos assim:



Na sequência do vídeo (aqui), John Schaefer, o radialista que presidia a “mesa redonda” composta de músicos e neurocientistas no World Science Festival, em Nova York, no ano passado, formula o problema em termos científicos: “O que diabos foi isso???”


7 comentários:

Anônimo disse...

Muito doido mesmo. Parabéns pelo blog.

Cynthia disse...

Obrigada, anônim@. Em meu nome, no de Jonatas e no de Artur.

verí disse...

num sei naum... acho que to mto sensível com a minha vida dissertativa... fiquei tooooda arrepiada vendo a galera responder o bobby... acho q num aprendi nada epistemológico com isso... kkkk...

Cynthia disse...

Veri,

eu reconheço que é difícil pensar com clareza olhando para o Bobby McFerrin, mas a ponto de causar uma congestão ortográfica??? Isso é seu lado Sex Pistols, é?

verí disse...

acho que é o refluxo da dissertação... kkkkkkkk...

Cynthia disse...

Haha! Eu desconhecia esse seu trauma com a dissertação. E sempre me pareceu um mistério como pode ser mais fácil escrever "naum" em vez de não. Não é contra-intuitivo?

Quanto à questão epistemológica, não tem mistério: a idéia é que frequentemente efetuamos comparações metafóricas ou analógicas entre um campo sobre o qual já sabemos algo e um campo novo, que ainda não conhecemos. No caso em questão, entre os movimentos do McFerrin no palco e alguém tocando um teclado. Neste sentido, a construção da teoria envolve também "sequestrar" conhecimento de uma área a outra, geralmente entendido como a construção de modelos. Aliás, você faz isso na sua dissertação o tempo todo, embora tenha usado mais a dedução de uma teoria geral sobre agência humana para uma menos geral, sobre gênero.

Mas se "arrepiou" já valeu a pena.

verí disse...

kkkk... eu prefiro usar uma letra a mais (no caso, um "u"), do que um acento. morro de preguiça de acento... e de maiúscula tbm!
qto ao fofo do bobby, realmente eu tinha ficado na dúvida se a analogia era entre ele e o piano, ou se era em relação a tal referência pentatônica. mas acho que, sendo a mente ativa, na verdade se trata de uma fusão da referência cultural (o piano) com a escala supostamente inata... sei lá. só sei que eu gostei...