Introdução
Há alguns pontos quase pacíficos no campo da sociologia da juventude – apesar da diversidade teórico-metodológica que, como em qualquer campo das ciências sociais, marca a trajetória do olhar sociológico sobre os jovens. Entre esses pontos, tentarei articular aqui dois – um que se refere à construção social da juventude na modernidade e contemporaneidade; outro que se refere ao próprio olhar da disciplina sociológica sobre o mesmo fenômeno.
Não é apenas o sentido
biologizante da palavra que provoca representações homogêneas da
juventude, desconsiderando, por exemplo, que entre um habitante do
Garcia com 18 anos e um habitante da Terra Dura com a mesma idade
pode haver mais diferenças do que entre duas pessoas de faixas
etárias distantes mas possuindo a mesma profissão, trabalhando na
mesma instituição, frequentando os mesmos lugares de moradia e de
lazer, comprando bens materiais e simbólicos com preços e marcas
semelhantes, etc. Para além da articulação entre juventude no
singular e certas condições biológicas semelhantes, a própria
dimensão sócio-cultural do que se concebe como juventude também
carrega potências homogeneizantes.
Minha fala aqui terá o
caráter estrito de exercício reflexivo, porque só recentemente
comecei a estudar a sociologia da juventude. Seguirei sobretudo um
texto de uma autora brasileira reconhecida no campo, Angelina Peralva
(1997). Depois de segui-la em seu état des
lieux, estabelecerei um diálogo crítico com
sua leitura dos jovens na contemporaneidade, a partir da seguinte
pergunta: as manifestações de junho de 2013 no Brasil não seriam
uma expressão empírica de que de que a velocidade da dinâmica
societária é uma variável em aberto da potencialidade de renovação
societária pela tensão entre enteléquias geracionais?
1-Modernidade e juventude:
o insustentável equilíbrio entre o futuro como mandato de renovação
e o passado como controle do presente
A construção social da
juventude ao longo da modernidade, entre o século XIX até os anos
1950 (quando certas vivências e experiências juvenis começam a
abalar o sentido da juventude até então predominante), é exemplar
quanto a uma compreensão homogênea da juventude, ou seja, a uma
representação social (Moscovici, 2004) que percebe, pensa e age
sobre indivíduos de uma faixa etária como se todos coubessem numa
mesma definição: a juventude como um mesmo
“ente”, uma singularidade homogênea à qual todos os jovens
seriam reduzidos. Encarnar a transição com vistas a um futuro
melhor é um conteúdo nuclear (Abric, 2001) das representações
modernas da juventude – que se pronuncia no singular, como “ente”
homogêneo, como traço que se inscreve nos corpos e identidades
sociais de quaisquer indivíduos de uma certa e mesma faixa etária.
Destinado à mudança sim, mas
não sujeito ou agente da mudança: nem de si mesmo (corpo/mente
desengonçado, desequilibrado e instável a ser moldado por forças
biológicas e institucionais), muito menos da mudança social (já
que enquanto corpo/mente instável e sem experiência, a juventude
também é representada como fonte de risco – para si mesma e para
a sociedade como um todo). Neste sentido, a representação da
juventude possui outro conteúdo nuclear, oposto ao primeiro: o de
fonte de risco, marcando-a com uma tensão constitutiva, entre
promessa de futuro melhor e ameaça de desordem social. Considerando
uma argumentação de Peralva (1997), segundo a qual a modernidade é
atravessada por uma tensão entre lógica da modernização
(orientação para o futuro) e fundamento normativo (orientação
pelo passado), eu diria que tal tensão faz convergir juventude e
modernidade: os arranjos societais modernos também são atravessados
por uma tensão constitutiva entre um mandato de mudança incessante
e a ameaça de desordem pela mudança, à medida em que se trata por
um lado de uma cultura orientada para a renovação constante, mas,
por outro lado e como qualquer arranjo sociocultural, as sociedades
modernas não sobrevivem sem mecanismos e dinâmicas de reprodução
da ordem – de valores, de poderes, de instituições. Como
encarnação de promessa de mudança em corpo/mente instável, logo
ameaçante à reprodução da ordem, a juventude torna-se então
objeto de controle social.
Bom jovem, nas sociedades
modernas até os anos 1950, seria o jovem “bem-criado”, ou seja,
aquele cuja socialização (processos de inserção na ordem social
protagonizados por agentes e instituições sociais como a família e
a escola) o preparou adequadamente para a saída de um estado
representado como provisório, perigoso e irresponsável e a entrada
num estado estável, seguro e responsável – quando então poderia
assumir as rédeas do insustentável equilíbrio entre reprodução e
mudança social que marca a modernidade.
2- Socialização e desvio
como categorias opostas da mesma ordem sociológica sobre a juventude
Tal quadro simbólico da
juventude vai se projetar nos estudos das ciências sociais sobre
jovens pois, até o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, sob
a hegemonia das categorias ordem social
e socialização, o
olhar da sociologia vai privilegiar os temas do desvio, da
marginalidade e da vulnerabilidade da juventude a processos falhos de
socialização. Angelina Peralva (1997) descreve com muita
pertinência as características comuns do olhar das ciências
sociais em geral e da sociologia em particular sobre a juventude até
os anos 1950/1960:
Vale dizer, de passagem, que os temas da
ordem e da normatividade estão longe de ser um problema exclusivo do
funcionalismo. E, embora o interacionismo tenha renovado
profundamente as formas de perceber o desvio, sobretudo deslocando
uma problemática até então definida em termos motivacionais para
uma outra, definida em termos de interação, ele não rompe com a
estrutura básica do raciocínio funcionalista, definida pela
oposição entre norma e desvio(...).Nessa perspectiva, se o jovem
não constitui uma categoria exclusiva dos desviantes, constitui com
certeza uma categoria importante, pode-se dizer mesmo central, nas
representações sociais do desvio.
Assim, o temor suscitado pelo jovem, o
sentimento de insegurança a ele freqüentemente associado no
imaginário adulto, constituem a outra face dessa moeda. Já não se
trata aí do jovem cujo desvio é necessário prevenir ou mesmo
punir, mas daquele que ameaça o adulto indefeso, encarnando tudo
aquilo que, em sua vida, este já não consegue controlar. (Peralva,
1997, p. 19)
3- A geração 1960/1970
como ruptura social e sociológica
Há uma anedota sobre o
general De Gaulle que é exemplar para a compreensão das mudanças
sociais e sociológicas sobre a juventude, a partir da segunda metado
do século XX. Conta-se que, atordoado pelos acontecimentos de maio
de 1968 na França, quando um processo iniciado ainda nos anos 1950
explodiu nas ruas de Paris e outras cidades mundo afora, De Gaulle
fôra assim informado sobre a causa dos protestos juvenis: “tudo
começou porque um universitário quis entrar no quarto de uma
universitária”. E o velho herói de guerra, naquele momento
presidindo mais uma vez La République,
teria respondido: “que um rapaz queira entrar no quarto de uma moça
é coisa que qualquer um pode compreender; mas que se ateie fogo no
país por causa disso?!”
Continuo seguindo a hipótese
de que um dos pontos quase pacíficos na sociologia da juventude
contemporânea é a de interpretar que essa concepção da juventude
entre promessa de futuro melhor/ameaça de desordem – tornando-a
objeto de controle pela ordem social e de socialização ou desvio
para a sociologia – começa e ser desconstruída pelos próprios
jovens a partir dos anos 1950. Uma conexão
geracional, como escreveu muito antes Karl
Mannheim, parecia dar seus primeiros passos, mas o quadro social e
sociológico em torno da juventude parecia permanecer o mesmo. Foi
Maio de 68 que se apresentou ao mundo como o que estudiosos
contemporâneos podem chamar de acontecimento
(conceito elaborado por Deleuse e que tem sido atualmente articulado
por estudiosos num sentido mais sociológico e/ou para a abordagem
dos movimentos sociais):
Adotando
um olhar mais sociológico, Louis Quéré (2005) também se preocupa
com o conceito de acontecimento,
buscando destituir a idéia de um sujeito onipotente, que significa o
mundo de acordo com suas visões e valores. Quéré afirma que
o acontecimento tem
um poder hermenêutico capaz de revelar, simultaneamente, passados e
futuros. Baseando-se nas idéias de Hannah Arendt, ele lembra que
o acontecimento tem
um caráter inaugural: ao emergir, ele tem "poder de abertura e
fecho, de iniciação e de esclarecimento, de revelação e de
interpelação" (2005, p. 60). O autor defende que
o acontecimento introduz
uma descontinuidade, excedendo as possibilidades do previamente
calculado. No entanto, tão logo ele surge, os sujeitos buscam
restabelecer a continuidade do mundo, procurando, no passado,
anúncios de sua ocorrência. Esse passado não existia, todavia,
antes do acontecimento:
ele é revelado e esclarecido pelo próprio acontecimento.(...)
(Mendonça, 2007, pp. 3-4)
Pois
bem, inspirando-me no que Mendonça coloca sobre o conceito de
acontecimento,
eu diria que Maio
de 68 instituiu
Charles de Gaulle no passado (foram descontinuidades provocadas por
ele que fizeram o velho general sair voluntariamente do poder. Dois
anos depois, em novembro de 1970, ele morreria recolhido em seu
vilarejo natal). Ao mesmo tempo, a juventude aparecia como sujeito de
si mesma, no plano político-econômico, cultural, moral, artístico,
enfim, em diversas dimensões do viver em sociedade, como se quisesse
virar o mundo de ponta-cabeça e como se os jovens concretos que
protestavam nas ruas, enfrentavam polícias, instituiam-se como
grupos (hoje em dia diríamos “tribos”) políticos ou
comunitários (hippies), inauguravam os posteriormente chamados novos
movimentos sociais (mulheres, homossexuais, negros, etc.), construíam
seus valores estéticos, políticos, morais no espaço público,
fosse de fato um ente homogêneo
incorporado em todos os jovens reais e estivesse realizando a ameaça
à ordem social com a qual a sociedade moderna lhe representava e
controlara.
Evidentemente, essa
juventude-ente, esse mesmo simbólico encarnado em milhões de corpos
diferentes, continuava representação social redutora da diversidade
das experiências dos jovens da época. Não só daqueles que
participaram concretamente de diferentes tipos de protesto,
mobilização, grupo e visão inovadora de mundo (às vezes estranhos
ou conflitantes entre si, como por exemplo jovens militantes de
esquerda pregando luta armada e jovens vivendo em comunidades,
hippies e outros grupos adeptos de uma cultura “paz e amor”), mas
também redutora das experiências e vivências de jovens que nunca
participaram de nenhum protesto, movimento, grupo ou visão inovadora
de mundo e que viviam todavia no mesmo contexto temporal – como a
maioria dos jovens operários ou camponeses que continuavam
orientando seus passos para as usinas e roças, mais reproduzindo do
que propondo uma ordem social diferente da de seus pais.
4-
“O
problema das gerações” e as manifestações de junho: um olhar do
passado como fonte de renovação dialógica
Se
inspirando no funcionalismo, no interacionismo ou no chamado
construtivismo estrutural de Pierre Bourdieu, já afirmamos aqui com
A. Peralva (1997) que a sociologia da juventude movera-se sob a
polarização socialização/desvio juvenis. A chamada corrente
“classista” provocou mudanças sociológicas importantes no
sentido de desnaturalizar a representação homogeneizante do
conceito de juventude e impor a consideração analítica da
diversidade de experiências sociais de ser jovem, bem como dos
diferentes modos e intensidades de vigiar/controlar o desvio juvenil
segundo a classe social dos jovens concretos. Mas essa diversidade
era abordada a partir de um quadro conceitual estrito, o da estrutura
e dinâmica construtiva das classes sociais, enquanto que as mudanças
a partir dos anos 1950 e principalmente o acontecimento
de
Maio de 68
revelavam
dimensões múltiplas da diversidade dos jovens (de valores, de
comportamento, de engajamento ou não, políticas, morais,
artístico-culturais, etc.).
Por
outro lado, Maio de 68 manifestava que representações sociais não
significam ilusão ou falsa consciência, mas componente construtivo
das dinâmicas societárias. Sendo assim, como o acontecimento de
Maio de 68 inaugurara uma presença concreta de práticas, valores,
comportamentos e mobilizações protagonizados por indivíduos
e grupos cuja faixa etária correspondia à classificação na
categoria “juventude”, esta deixa de ser encarada apenas como uma
das categorias centrais do desvio social e/ou mero caso particular da
reprodução das classes e adquire status de tema importante da
sociologia do conhecimento. Mas o texto considerado fundador dessa
perspectiva fôra escrito muito antes, em 1928, pelo sociólogo
húngaro Karl Mannheim. Nos anos 1960/1970 começou a ser resgatado e
a chamada escola geracionista desenvolveu-se a partir desse texto.
Embora
construindo-se como crítica a uma concepção cronológica e
quantitativa das idades (para ele positivista) e sob a influência da
sociologia compreensiva de Dilthey e mesmo de Heidgger, sua teoria
das gerações não deve ser identificada com abordagens
culturalistas no sentido forte, posto que, segundo Weller (2005),
Mannheim considere o ritmo biológico na existência humana e social,
prevenindo-se contra o que chama de “espiritualismo extremo” de
certas abordagens não positivistas das relações geracionais. Para
Mannheim não se pode tratar sociologicamente o problema das gerações
sem se levar em conta a influência de condições biológicas na
construção social de grupos etários. Assim, embora não devamos
pensar tal influência à moda positivista (onde uma classificação
quantitativa e mecânica reduz a constituição de grupos etários a
uma mística delimitação precisa e cronológica de idades do ciclo
biológico de vida), devemos considerar a significação
antropológica (no sentido filosófico) de que os humanos crescem
juntos daqueles que nasceram num mesmo período cronológico, logo,
têm o mesmo ritmo
biológico e
experimentam influências sociais similares e que isso os torna
potencialmente próximos entre si e distantes daqueles que cresceram
em período anterior - mas com os quais partilham um mesmo período
cronológico.
O
mundo social se apresenta então como uma simultaneidade
do não-simultâneo,
posto que diferentes grupos geracionais partilham um mesmo tempo
cronológico, mas podem disputar a formação ou a transformação do
“espírito do tempo” de acordo com os conteúdos políticos,
sociais e culturais de seus diferentes tempos
interiores.
É por isso que a dinâmica societária pode ser centralmente afetada
por diferenças geracionais. Para Mannheim (apud
Weller,
2005), um problema das gerações, ou seja, a realidade empírica de
um conflito geracional contendo potências do novo na sociedade, tem
relação direta com seu conceito de enteléquia
geracional
(uma enteléquia sendo a articulação entre o tempo
interior
de uma geração e “metas íntimas” que ela pode constituir a
respeito dos conteúdos socioculturais e políticos do “espírito
do tempo”). Uma enteléquia geracional pode se apresentar
empiricamente como potência do novo se e quando um grupo etário
salta de sua posição
geracional (ou
seja, partilha de mesmas condições sociais, culturais e políticas
permitindo que a geração acumule um estoque de experiências
comuns) para uma conexão
geracional (quando
não apenas se partilha experiências comuns, mas se estabelece
participação em uma prática coletiva orientada pelos conteúdos da
enteléquia geracional). Em uma palavra, uma conexão
geracional
tem caráter político, é ativa sociopolítica e culturalmente,
enquanto uma posição
geracional
constitui apenas condições socioculturais similares possibilitando
o acúmulo de experiências comuns.
Mas
a teoria de Mannheim nos previne quanto a uma concepção
homogeneizante do conceito de conexão
geracional
(ou seja, pensada enquanto vínculo simbólico e prático unificado
de uma geração, nos moldes da teoria marxista das classes, na qual
uma classe em si e para si aparece como sujeito potencial de uma
transformação societária com conteúdos sociais, culturais e
políticos unitários). Isso porque uma mesma conexão geracional
pode constituir grupos ou unidades
geracionais
diversas e mesmo conflitantes.
Além disso, articulando seus conceitos principais ao fluxo das
dinâmicas societárias, o sociólogo húngaro acrescenta variáveis
temporais para compreender os diferentes modos e consequências
históricas de conexões
geracionais
concretas: quando o ritmo da dinâmica societária é muito lento
(como em sociedades tradicionais), as enteléquias geracionais não
são suficientemente distintas para que surja
uma conexão geracional capaz de transformar
o espírito do
tempo; mas quando o
ritmo da dinâmica societária é demasiadamente acelerado, isso pode
levar a uma superposição de conteúdos de enteléquias
intergeracionais, impedindo que uma geração nova constitua “metas
íntimas” claras e suficientemente distintas e estabeleça conexão
e unidades geracionais politicamente ativas – mobilizadas
praticamente e contestatórias da ordem social. Diríamos que,
segundo a leitura de Peralva 1997), para Karl Mannheim o ritmo da
dinâmica societária precisa estar entre excesso de lentidão e
excesso de velocidade para que uma conexão
geracional seja
portadora do novo, como teria sido o caso da geração 1960/1970.
Conclusões
Utilizando essas variáveis
temporais de Mannheim e articulando-as ao trabalho de Margaret Mead
sobre juventude e engajamento político para compreender as gerações
posteriores a dos anos 1960/1970, Angelina Peralva (1997) desenvolve
a seguinte hipótese: o excesso de aceleração da dinâmica
societária depois dos anos 1980 teria dissolvido a tensão potencial
entre gerações pela “dissolução da oposição entre o passado e
o futuro. O futuro se torna presente e absorve o passado” (Peralva,
1997, p. 21), provocando uma juvenização do mundo: ser jovem
transforma-se em modelo cultural para todas as faixas etárias. Esse
modelo, que também é um potente mecanismo de constituição de
mercados de consumo em torno de uma promessa de “eterna juventude”,
não significa que se valorize os jovens em sua concretude e
diversidade, mas valores e estilos de vida simbolicamente associados
ao que se representa como juventude, tais como beleza física, saúde,
capacidade de adaptação constante.
Estamos de
fato num mundo societal hiper acelerado, mas as manifestações de
junho de 2013 no Brasil parecem por em questão a validade da
hipótese de Peralva a respeito das variáveis temporais
estabelecidas por Karl Mannheim. Não apenas porque elas tiveram uma
maioria nitidamente jovem, mas também porque evidenciaram a
existência de uma heterogeneidade de unidades
geracionais
concretas ou virtuais. Além disso, a observação de traços comuns
entre nossas manifestações de junho e outras mobilizações com
maioria juvenil pelo mundo – Primavera Árabe, Occupy Wall-Street,
Indignados, etc. – pode ser um indicador empírico de que a própria
hiper-aceleração da dinâmica societária, em escala globalizada ou
globalizável, é atualmente um componente potencial dos conteúdos
do espírito do
tempo em disputa
inter e intra-geracional. Com efeito, se pensarmos que por trás do
Movimento Passe-Livre há uma colocação em questão dos parâmetros
institucionais e simbólicos da distribuição social do solo e da
mobilidade urbanas sob a lógica de um mercado capitalista que tem
fundas afinidades com certas condições de vida que atingem
negativamente a faixa etária jovem, podemos perceber que estamos num
periódo cronológico em que a posição
geracional dessa
faixa etária tem dado passos importantes na direção de uma conexão
geracional que
ainda vai ocupar o mundo social e sociológico por algum tempo.
Penso aqui
no desemprego e/ou na precariedade no mundo do trabalho que atinge
particularmente os jovens; na vulnerabilidade à violência na qual,
em países como o Brasil, os jovens são protagonistas...Em suma, num
espírito do tempo
articulado a um
novo capitalismo (Sennet, 2006) hiper-acelerado, nas democracias
invadidas por sentidos plutocráticos de poder, nas desigualdades que
se complexificam em meio a uma cultura problemática do consumo –
fazendo das aspirações crescentes de jovens cada vez mais
escolarizados, uma fonte constante de frustração...Sob o olhar de
Mannheim, esses fenômenos implicariam na partilha de condições
sociais, culturais e políticas, ou seja em uma posição
geracional problemática,
logo, com potência para gerar uma conexão
geracional
portadora do novo.
O que
resultará de tudo isso, não é possível saber ainda. Mas, desde
que não confundamos o conceito de conexão geracional com uma
representação homogeneizante dos jovens, não busquemos no problema
das gerações um substituto da teleológica concepção de classe
revolucionária marxista e que não pretendamos pensar a geração de
1960/1970 como modelo transistórico de potencialidades
tranformadoras geracionais, devemos reconhecer que os jovens
concretos, heterogêneos, portadores de unidades geracionais com
metas diferentes ou conflitantes entre si e que foram às ruas em
junho de 2013, carregam forças de mudança societal, de disputa e/ou
reorientação do espírito
do tempo.
Bibliografia básica
ABRIC.
C. J.-C. Pratiques
Sociales et Représentations.
Paris : PUF, 2001.
MANNHEIM, K. “ O problema
sociológico das gerações.” II Sociologia
do conhecimento. Porto: Rés. Pp.
115-174.exto: Mannheim (geracionista criador da teoria das gerações)
MENDONÇA, R. S. “Movimentos
sociais como acontecimentos:
linguagem e espaço público. Lua Nova, nº
72. São Paulo, 2007.
MOSCOVICI, S. Representações
sociais – investigações em psicologia social. Petrópolis:
Vozes, 2004.
PERALVA, A.
“O jovem como modelo cultural.” Revista
Brasileira de Educação.
Mai/Jun/Jul/Ago 1997 Nº 5 Set/Out/Nov/Dez
Nº 6, pp. 15-24.
SENNET, R.
A cultura do novo
capitalismo. Rio de
Janeiro: Record. 2006.
WELLER, W. “A atualidade do conceito de gerações de Karl Mannheim: perspectivas para a análise das relações entre educação e trabalho. XXIX Encontro Anual da ANPOCS - GT Educação e Sociedade: Educação, Identidades, Hierarquias. Caxambu, 25 a 29 de outubro de 2005. Acessível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922010000200004
1Este
texto é uma versão reduzida de um paper para uma mesa-redonda, a
ser publicado nos anais do III SECIRI (III Seminário de Estudos
Culturais, Identidades e Relações Interétnicas), ocorrida no dia
11 de novembro de 2013 na UFS ( Universidade Federal de Sergipe)
Nenhum comentário:
Postar um comentário