Por Renato Sérgio de Lima[1], Claudio Beato[2], José Luiz Ratton[3], Luiz Eduardo Soares[4], Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo[5]. Publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 03/11/2013. Cedido ao Cazzo pelos autores.
Em meio à comemoração dos 25 anos da Constituição Federal de 1988, no momento em que os governos e as polícias estão administrando as demandas difusas geradas pelas manifestações que tomaram as ruas desde junho deste ano e, ainda, no contexto da definição dos contornos da disputa eleitoral de 2014, segurança pública continua sendo um tema tabu no Brasil.
O fato é que falar sobre a atual estrutura da Segurança Pública no país implica reconhecer que conseguimos avançar na construção de discursos baseados em princípios de Direitos Humanos e de cidadania, mas que ainda convivemos com um modelo em que a ausência de reformas estruturais obstrui – em termos práticos e políticos – a garantia da segurança pública verdadeiramente para todos.
Os dados publicados na edição 2013 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública reforçam a sensação de que vivemos em uma sociedade fraturada e com medo; aflita diante da possibilidade cotidiana de ser vítima e refém do crime e da violência.
Não bastasse isso, nosso sistema de justiça e segurança é ineficiente, paga mal aos policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial, e com baixa taxa de esclarecimento de delitos, sem falar nas precárias condições de encarceramento. Não conseguimos oferecer serviços de qualidade, reduzir a insegurança e aumentar a confiança da população nas instituições.
No plano da gestão, paradoxalmente, várias iniciativas têm sido tentadas: sistemas de informação, integração das polícias estaduais, modernização tecnológica, mudança no currículo de ensino policial, entre outras. Porém, a história recente da segurança pública tem sido marcada por mudanças incompletas. Ganhos, como a reversão do medo provocada pela implantação das UPPs, no Rio de Janeiro, tendem a perder força, na medida em que não são capazes, sozinhos, de modificar culturas organizacionais anacrônicas.
As instituições policiais não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas. Num exemplo, o Congresso há 25 anos tem dificuldades para fazer avançar uma agenda de reformas imposta pela Constituição de 1988 e até hoje possui diversos artigos sem a devida regulação, abrindo margem para enormes zonas de sombra e insegurança jurídica.
Para a Segurança Pública, o efeito dessa postura pode ser constatado na não regulamentação do art. 23 da Constituição, que trata das atribuições concorrentes entre os entes, ou do parágrafo sétimo, do artigo 144, que dispõe sobre as atribuições das instituições encarregadas em prover segurança e ordem pública.
Ou seja, há uma enorme dificuldade de se assumir segurança pública como um tema prioritário da agenda política brasileira. Ao contrário de ser objeto de jogo de empurra que tem sido travado, com União, Estados e Municípios brigando para saber quem paga a conta e/ou quem manda em quem, segurança pública exige superarmos antagonismos e corporativismos e pactuarmos um projeto de uma nova polícia.
Isso significa que resultados de longo prazo só poderão ser obtidos mediante reformas estruturais que enfrentem alguns temas sensíveis, tais como: a distribuição e a articulação de competências entre União, Estados e Municípios e a criação de mecanismos efetivos de cooperação entre eles e demais Poderes; a reforma do modelo policial estabelecido pela Constituição de modo a promover a sua maior eficiência; e o estabelecimento de requisitos mínimos nacionais para as instituições de segurança pública no que diz respeito à formação dos profissionais, transparência e prestação de contas, uso da força e controle externo.
Tais iniciativas devem conduzir à necessária desmilitarização das estruturas policiais, com a adoção do ciclo completo de policiamento e a instituição de uma carreira única de polícia, que valorize o policial. Necessário também consolidar o sistema de garantias processuais e oferecer adequadas condições de cumprimento de penas. Até porque não podemos deixar brechas para o crime organizado.
Seja como for, não precisamos partir do zero. Já existe uma série de projetos em tramitação no Congresso Nacional, como a PEC 51, e que podem ajudar no diálogo sobre o que seriam os principais pontos dessa reforma.
O mais importante é que estamos aqui propondo um pacto suprapartidário em defesa da democracia e da cidadania. E, como ponto de partida, os autores deste artigo, reconhecem que se encontram em diferentes posições do quadro político brasileiro e que a nossa união objetiva reiterar que a reforma do modelo de segurança pública não pode ser mais adiada. Se conseguirmos fazer isso, quem ganha são os policiais brasileiros e, sobretudo, ganha a sociedade, que terá a garantia do direito à segurança como um direito de todos.
[1] Membro de Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública;
[2] Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG.
[3] Professor do Departamento de Sociologia da UFPE.
[4] Ex-Secretário Nacional de Segurança Pública.
[5] Professor da Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC/RS.
Um comentário:
Fico na boa expectativa de que o grupo continue essa reflexão, que a expandam para leigos como eu. E o momento é evidentemente propício. Parabéns pela iniciativa. Abraços, Jonatas
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