domingo, 21 de março de 2010

O Romantismo e as Ciências Sociais 3


Caspar David Friedrich; Die Winterreise (ca. 1827)

Jonatas Ferreira
“...Pois que é o Belo
senão o grau do Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido”.
(Rilke, Elegias de Duíno
“Primeira elegia; tradução: Dora Ferreira da Silva)

“Como é diferente se abandonamos a possibilidade de explicar a natureza e tomamos essa impossibilidade de compreeneder como um princípio de julgamento”.
(Schiller, On the Sublime)

Sempre gostei muitíssimo das Elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke, sobretudo a Primeira Elegia, de onde tomei emprestada uma das epígrafes ao presente texto. “Todo anjo é terrível” é um aparente paradoxo e, ao mesmo tempo, algo maravilhosamente dramático de ser dito. Para quem anjos são terríveis senão para aquele que constata seu desamparo diante de um mundo excessivamente definido, uma realidade excessivamente racionalizada? Para ele, ou para ela, também o belo é agora terrível, pois desconfia que este seja um sentimento de certo modo impossível – como os anjos de Rilke que trafegam entre nós sem distinguir muito bem entre vivos e mortos, o belo já não nos é plenamente visível. Na obra kantiana, na Crítica do Julgamento, mais precisamente, uma constatação muito próxima àquela que nos oferece Rilke é apresentada na passagem da Analítica do Belo para a Analítica do Sublime. Falemos um pouco sobre essa obra e permitam-me um pequeno e, espero, útil excurso em minha exposição.


7 comentários:

Le Cazzo disse...

Gadiel,

Perdoe-me a ansiedade. Deveria deixar o seu ótimo texto sobre Bento e a Tamarineira por alguns dias em evidência. É que estou usando esses pequenos textos que estou publicando como material didático e achei melhor publicar logo esse post para ver se termino essa minha estória com o Romantismo. Abraço, Jonatas

Cynthia disse...

Dada a influência acachapante das abordagens empiristas (que não problematizam minimamente a relação entre sujeito e objeto) nas ciências sociais, fiquei curiosa para saber de que forma o Kant da terceira crítica é apropriado pela sociologia alemã. Estaria aí a "resolução" do que sempre encarei como um nó górdio na teoria do valor de Rickert, Weber et al. (por que valores como base da objetividade, relação entre valores universais e particulares, objetivismo e subjetivismo etc)? Mas dado que existe um debate infindável entre os filósofos acerca desses problemas no próprio Kant, desconfio que continuaremos na mesma...

Jonatas, talvez valesse a pena dfinir termos como "entendimento", "experiência" e "razão". Essas distinções sempre me confundem, especialmente qdo os autores usam o termo no original. Imagino que deve confundir outras pessoas também.

Beijo

Le Cazzo disse...

Oi, Cynthia.

Obrigado pelo comentário. Vamos ver nos próximos posts como isso tudo será apropriado pelo romantismo e depois, pelo historicismo e hermenêutica romântica. Acho que darei especial atenção à idéia de reflexividade - algo cuja força perde-se mais adiante, mas que ainda está presente em Novalis, por exemplo.

Quanto ao conceito de razão no texto, vamos a alguns pés-de-página aqui mesmo. Esse conceito refere-se a nossa faculdade de produzir ideias capazes de transformar o real, ideias práticas, éticas, como a do bem, do dever. O entendimento ou compreensão é a nossa faculdade cognitiva. Dispõe-nos a procurar analisar como as coisas são e não como gostaríamos que fossem. Ao diferenciar essas duas faculdades, Kant objetiva, entre outras coisas, situar contribuições empirista e racionalista: que não se confundam as ideias perfeitas e plenamente "intuíveis" do mundo do dever ser com o processo limitado, sempre incompleto do conhecimento das coisas da natureza. São dois processos distintos.

O problema na terceira Crítica é exatamente fechar as feridas produzidas por essa divisão, fundamental, se você pensa por exemplo o seu sentido histórico - não encham o saco dos cientistas impondo-lhes pressupostos morais quando eles estão lidando com algo de outra ordem, ou seja, o conhecimento da natureza - mas que acarreta problemas lógicos perto da esquizofrenia.

Quanto à ideia de experiência, eu a uso aqui livremente, como sinônimo de vivência - o que é de certo modo uma heresia. Abração e obrigado. Jonatas

Cynthia disse...

Heresia só porque os caras que escrevem em alemão têm trezentas palavras para isso. Mas quando traduzidos, você está na companhia de outros hereges como Hegel, Dilthey e Gadamer.

Com toda desgraça, ainda é melhor do que colocar a palavra em alemão entre parênteses, o que sempre me faz correr atrás de um glossário de termos filosóficos alemães na minha edição inglesa da Introdução às Ciências do Espírito. Depois da trilionésima consulta, simplesmente cheguei à conclusão de que I Kant. Kant you?

Mas obrigada pelas distinções. Dava pra colocar em alemão também?

:)

Le Cazzo disse...

Daria, mas o bombardeio das Forças Aliadas está interferindo na transmissão... Jonatas

Cynthia disse...

Jonatas, teu orientador também prendia o riso quando você pronunciava Kant como "Cunt"? Menino, passei anos fazendo meu orientador corar sem saber o motivo...

Le Cazzo disse...

Eu me referia ao filósofo como Immanuel. Jonatas