Sítio do Pica-Pau Amarelo, por Arthur Milan Parreira (aqui)
O Conselho Nacional de Educação considerou "racista" a obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, que poderá ser banida das escolas públicas brasileiras (veja post scriptum, abaixo). Talvez fosse uma boa ideia sugerir ao MEC que também banisse das universidades autores como Rousseau, Marx, Freud, Nietzsche, Durkheim, Gilberto Freyre (vai sobrar alguém?) - já que todos podem ser acusados de divulgar estereótipos do senso comum de sua época acerca de mulheres e minorias raciais e étnicas. Melhor: façamos como Rui Barbosa, que mandou queimar os documentos relativos à escravidão no Brasil. Aproveitemos o clima das eleições e façamos uma grande fogueira santa, no melhor estilo inquisitorial. Alternativamente, façamos como o Careca e apelemos para o Gilberto Gil.
Cynthia
Li na Folha e na coluna do Marcos Guterman no Estadão que o Conselho Nacional de Educação recomendou que o livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, não fosse distribuído a escolas públicas ou, se for, que venha acompanhado de um aviso de que se trata de obra “racista".
Pô, que sacanagem. Gilberto Gil, que foi Ministro da Cultura e não pode ser chamado de racista por nenhum burocrata idiota, bem que poderia vir a público passar um pito nos caras que fizeram essa recomendação. No mínimo porque cantou o Sítio do Picapau Amarelo para mim e toda a meninada dos anos setenta.
As bobagens do correção política começam a chegar nas prateleiras dos já escassos clássicos brasileiros com as já conhecidas excelentes intenções que levam ao exílio de títulos e depois à queima de livros em praças públicas. Nessa toada, "A Moreninha" terá de trocar de nome para "A levemente bronzeada" só para não ferir nenhuma suscetibilidade. A Escrava Isaura não poderá ser mais implacavelmente perseguida por aquele ator da Globo, o Rubens de Falco, e sumirá das prateleiras por evocar a imagem da Lucélia Santos, ao invés de alguma outra branquela menos estrábica. Desconfio que Guimarães Rosa também será gravemente atingido pela onda politicamente correta, afinal de contas o grande drama das veredas de Riobaldo é amar Diadorim sem saber que ela finge que é homem só para poder andar junto com a jagunçada, matar Hermógenes e vingar o pai. "Riobaldo pensa que é gay e não existe nenhum problema nisso", alguém ainda vai alegar, antes que o livro seja qualificado de homofóbico e de apologia ao chapéu de couro.
Mas é no campo da música que estaremos fritos. Marchinhas de Carnaval terão versos inteiros substituídos. Ninguém mais vai poder cantar que o cabelo da afrodescendente não nega que ela procede do outro continente. Estrofes dos axés bahianos dos anos 80 serão banidos das discotecas. Não será possível dizer olha a afrodescendente do cabelo "hard", que não gosta de pentear, quando passa na boca do tubo, o grande afro-brasileiro começa a gritar, pega ela aí, pega ela aí, pra quê, pra passar batom, de que cor, de violeta, na boca e na boca do céu...
E sobretudo, ficaremos sem escutar aquele clássico dos clássicos, do tempo da lambada, que começava assim: tem, tem, tem, tem dois neguinho, tem, tem, tem, tem dois neguinho, um morava na Jamaica, outro mora no Brasil, um chamava Bob Marley, outro é Gilberto Gil...
Post Scriptum, em 31/10/2010:
Como diz o Mia Couto, “meia culpa, meia máxima culpa”: contrariamente ao que ajudei a divulgar aqui, a estória não é bem assim. O documento redigido pelo Conselho Nacional de Educação emite parecer sobre denúncia efetuada por Antônio Gomes Costa Neto “no sentido de se abster a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal de utilizar livros, material didático ou qualquer outra forma de expressão que, em tese, contenham expressões de prática de racismo cultural, institucional ou individual na Educação Básica e na Educação Superior do Distrito Federal”. O parecer, que aguarda homologação, considera que a denúncia está em consonância com os critérios de seleção do próprio MEC para as obras que deverão compor os acervos das escolas e que se baseiam na “qualidade textual, a adequação temática, a ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações, a qualidade gráfica e o potencial de leitura considerando o público-alvo”. Com base nisso o CNE, propõe as seguintes ações:
a) a necessária indução de política pública pelo Governo do Distrito Federal junto às instituições do ensino superior – e aqui acrescenta-se, também, de Educação Básica – com vistas a formar professores que sejam capazes de lidar pedagogicamente e criticamente com o tipo de situação narrada pelo requerente, a saber, obras consideradas clássicas presentes na biblioteca das escolas que apresentem estereótipos raciais. Nesse caso, serão sujeitos dessas políticas não só os docentes da rede pública de ensino, mas, também, aqueles que atuam na rede particular. (…)
b) cabe à Coordenação-Geral de Material Didático do MEC cumprir com os critérios por ela mesma estabelecidos na avaliação dos livros indicados para o PNBE, de que os mesmos primem pela ausência de preconceitos, estereótipos, não selecionando obras clássicas ou contemporâneas com tal teor;
c) caso algumas das obras selecionadas pelos especialistas, e que componham o acervo do PNBE, ainda apresentem preconceitos e estereótipos, tais como aqueles que foram denunciados pelo Sr. Antônio Gomes Costa Neto e pela Ouvidoria da SEPPIR, a Coordenação-Geral de Material Didático e a Secretaria de Educação Básica do MEC deverão exigir da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura. Esta providência deverá ser solicitada em relação ao livro Caçadas de Pedrinho e deverá ser extensiva a todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante. (…)
Justíssimo. E obrigada ao Joselito, por ter enviado o link para o site do Sérgio Leo, e ao próprio, por ter tido mais juízo do que eu e desconfiado da notícia.
Cynthia